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ComCiência
On-line version ISSN 1519-7654
ComCiência no.157 Campinas Apr. 2014
ARTIGO
Esporte paralímpico: simbiose entre ciência e tecnologia?
José Júlio Gavião de Almeida; Tatiane Jacusiel Miranda; Jalusa Andréia Storch; Gabriela Simone Harnisch; Bruna Bredariol
Às vésperas das Paralimpíadas de 2016, o Brasil investe pesado em novas tecnologias para reduzir a diferença que o separa dos grandes campeões como Estados Unidos, Japão, China, Rússia e Grã-Bretanha, entre outros. Para tanto, o propósito do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) é uma meta ousada: colocar o país entre os cinco primeiros no ranking mundial de medalhas. Mas como o nosso país aproveita a oportunidade de sediar esse megaevento para alcançar o sucesso esportivo das potências internacionais?
O esporte paralímpico brasileiro aposta cada vez mais na tecnologia para superar os limites dos atletas com deficiência e isso significa investir na formação e preparação de atletas, no estudo da dinâmica e dos limites corporais essenciais para a performance e para melhoria máxima (aspectos físicos, fisiológicos e psicológicos, dentre outros), como também no desenvolvimento e aprimoramento de equipamentos esportivos de ponta. Essa simbiose do esporte aliada à ciência e tecnologia requer um diálogo intenso e que envolve o CPB, por meio da Academia Paralímpica Brasileira, e as universidades.
Falar desse assunto não é algo recente, pois desde o surgimento do esporte adaptado na década de 1940 percebe-se o enorme contraste da evolução científica e tecnológica que alicerça o paradesporto. Regras esportivas, o desenvolvimento do sistema de classificação funcional específico para cada modalidade, os avanços nos equipamentos como cadeira de rodas, próteses e outros materiais utilizados em treinamentos e competições esportivas são alguns exemplos da evolução tecnológica e científica. É importante enfatizar que grande parte das inovações iniciais ocorridas nas modalidades paralímpicas foi oriunda das experiências vividas no contexto olímpico.
Nas universidades brasileiras desenvolvem-se atualmente projetos científicos relacionados às questões das deficiências, aspectos estes relativos ao treinamento de atletas e das diversas questões gerais que os rodeiam.
A grande incorporação desses conhecimentos científicos como complemento às atividades esportivas de alto rendimento nos mostra que não é mais possível realizar esse nível de excelência esportiva sem o suporte da ciência e da tecnologia, seja olímpico ou paralímpico. Quando falamos em treinamento e alta performance esportiva falamos também em fisiologia, medicina, fisioterapia, psicologia, sociologia, marketing, engenharias e uma série de outras disciplinas, tanto da área biológica quanto das humanas e exatas, que alicerçam a educação física no processo de preparação adequada do atleta para uma competição, e que fornecem a principal base para que os resultados mais favoráveis sejam alcançados.
Em contrapartida, os altos custos também se refletem na iniciação esportiva e, por esse motivo, as parcerias entre ciência e tecnologia são essenciais em nosso país. Algumas iniciativas oriundas das universidades, do CPB, Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e da Rede Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva desenvolvem novos dispositivos para treinamento esportivo a baixo custo para usuários de cadeira de rodas, os quais podem ser utilizados também em clínicas de fisioterapia e academias. Dessa forma, mais do que uma contribuição para que melhores resultados possam ser alcançados no esporte paralímpico de alto rendimento, as tecnologias aplicadas ao esporte para pessoas com deficiência permitem, em alguns casos, o essencial: a possibilidade da prática esportiva.
O mito dos super-humanos
Um dos principais objetivos da aplicação da ciência e tecnologia é facilitar o manuseio pelos atletas de equipamentos como próteses e cadeiras de rodas, bem como otimizar seu rendimento. Um exemplo é Oscar Pistorius, atleta paralímpico sul-africano que tem ambas as pernas amputadas. Em testes, houve a comprovação de que as próteses tornaram o atleta deficiente físico em um atleta extremamente eficiente: quando comparado à atletas sem deficiência, Pistorius ingere um volume de oxigênio 17% menor. Ou seja, ele corre na mesma velocidade com menos oxigênio. Além disso, pisa com mais frequência que um atleta olímpico. Mais impulso por tempo, sem contar o retorno elástico da prótese, que também aumenta o movimento, tornam os atletas paralímpicos em super-atletas.
É possível hoje tornar inteligentes os joelhos dos corredores com deficiência nos membros inferiores, com novas próteses de pernas apresentando tecnologias de software e hardware precisos. Modelos como a AC-leg permitem o uso de controle remoto para controlar a velocidade das passadas. Já o modelo Power Knee possui um sensor que automaticamente ajusta o movimento do joelho para o terreno em que se encontra o corredor (escada, plano, plano inclinado), sendo este um dos modelos mais utilizados no paradesporto.
Para o salto em distância, as próteses contam com cilindros hidráulicos que permitem o movimento normal da flexo-extensão de joelhos, com o atleta controlando a velocidade; isso diminui a perda de energia e otimiza toda a força para impulsionar o salto. A lâmina que forma o pé da prótese é composta por mais de 80 lâminas de fibra de carbono, sendo leves e flexíveis. Já os ciclistas apresentam próteses que dispensam tênis na hora da prova, conectando a prótese ao pedal, fazendo com que o atleta fique conectado à bicicleta. São alguns de muitos exemplos da presença da tecnologia assistiva e cada vez mais presente.
Considerações finais
Faltam pouco mais de dois anos para os jogos do Rio de Janeiro – momento único na história do Brasil e oportunidade singular de investimento em políticas públicas de ciência, tecnologia e popularização do esporte para todas as pessoas.
Entretanto, a alta tecnologia relacionada ao esporte paralímpico está mais ao alcance dos países mais ricos, devido ao alto custo. Próteses utilizadas em provas de corrida no atletismo custam em média 150 mil reais, fator que limita o uso em atletas no contexto nacional. Uma solução, então, seria investir em modalidades de baixo custo tecnológico. O que podemos esperar desse período é que, ao menos, encerremos nosso ciclo paralímpico com um legado duradouro e promissor para as futuras gerações.
A diversidade gerada pela evolução tecnológica é ampla. Das instalações esportivas a equipamentos de treinamento e competição; ou ainda, dos recursos de mídia ao controle de doping, ou mesmo dos auxílios complementares à formação de recursos humanos e até os diferentes veículos de informação à população.
Vale registrar que a equipe paralímpica do Brasil obteve a 37ª colocação nas Paralimpíadas de Barcelona (1996), passando por 24° em Sidney (2000), 14° em Atenas (2004), 9° em Pequim (2008) e 7° em Londres (2012).
Se viéssemos comparar o potencial tecnológico utilizado pela equipe paralímpica brasileira nesses últimos anos com o de equipes como dos EUA, Inglaterra, França, Alemanha, Rússia, Ucrânia, Japão, Coreia do Sul, China, Espanha, Canadá, entre outras, chegaríamos facilmente à hipótese de que um dos fortes potenciais da equipe do Brasil está na formação de recursos humanos visando ao trabalho dos profissionais da educação física e esportes, junto com profissionais das áreas médicas (medicina e fisioterapia), das áreas de mídia (marketing e propaganda) e das administrativas (política e captação de recursos), por exemplo.
Foram essenciais para um salto qualitativo da equipe paralímpica brasileira nas últimas cinco paralimpíadas e, portanto, nas últimas décadas, o desenvolvimento e a aplicação do conhecimento científico. Verifica-se, enfim, que é o potencial científico desenvolvido e, de certa forma, enraizado, o fator responsável pela defesa da necessidade cada vez mais presente de tecnologias inovadoras para que tenhamos continuidade no processo de crescimento do esporte paralímpico em suas diversas formas de manifestação, especialmente a do alto rendimento.
José Júlio
Gavião de Almeida é professor do curso de
pós-graduação em educação física da Unicamp.
Tatiane
Jacusiel Miranda é mestre em educação física.
Jalusa
Andréia Storch é aluna do programa de
pós-graduação em educação física da Unicamp.
Gabriela
Simone Harnisch é aluna do programa de
pós-graduação em educação física da Unicamp.
Bruna
Bredariol é aluna do programa de pós-graduação
em Educação Física da Unicamp.