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ComCiência
On-line version ISSN 1519-7654
ComCiência no.148 Campinas May 2013
RESENHAS
Faça você mesmo: como o movimento "Maker" pode se aliar às impressoras 3-D e ferramentas de programação para fomentar o fortalecimento dos empreendedores modernos
Marina Gomes*
Há pouco mais de 60 anos, o mecânico Fred Hauser projetou em uma oficina em sua casa, nas horas livres, um mecanismo de irrigação automático para jardins. Foram anos entre a invenção e a chegada do produto efetivamente às prateleiras. "Ele precisava despertar o interesse de um fabricante que se dispusesse a pagar pelo licenciamento da invenção, o que, além de difícil, acarreta para o inventor a perda do controle sobre a invenção. São os proprietários dos meios de produção que decidem o que produzir", descreve sobre esse episódio Chris Anderson, autor do livro Makers - a nova revolução industrial.
Neto de Hauser, Anderson herdou a vontade de inventar - mas, como aponta o ex-editor da prestigiada revista Wired, que fundou a empresa 3D Robotics para fabricar aeromodelos autônomos, o caminho entre a ideia e o produto tornou-se muito mais simples, ágil e independente do que na época de seu avô. Agora, ele mesmo pode controlar a produção.
Declaradamente parcial, o autor, entusiasta das novas tecnologias, expõe o que ele chama de uma nova revolução industrial, fruto dos últimos 10 anos de descobertas de outras formas de criar e compartilhar pela internet. Cada vez mais, os chamados "Makers" criam produtos e serviços usando ferramentas digitais e fabricam em oficinas caseiras, de forma a atender, principalmente, nichos específicos ignorados pela indústria de massa.
"Hoje a fabricação digital desktop efetivamente introduziu um tipo de 'produção artesanal mecanizada' com que Piore e Sabel ( Michael Piore e Charles Sabel, teóricos do pós-fordismo) só poderiam ter sonhado na época. Em vez de retornar às máquinas de costura e às oficinas locais, que as grandes fábricas expulsaram do mercado 100 anos atrás, o Movimento Maker se baseia na fabricação digital de alta tecnologia e possibilita que pessoas comuns explorem à vontade a capacidade das grandes fábricas de fazerem o que quiserem. É a combinação perfeita de inventar no âmbito local e produzir no âmbito global, atendendo a mercados de nicho definidos pelo gosto, não pela geografia. E a característica inequívoca desses novos produtores é que não farão os mesmos produtos padronizados que definiram a era da produção em massa. Ao contrário, começam com produtos personalizados e a partir daí descobrem outros consumidores que compartilham seus interesses, paixões e necessidades singulares", aposta o autor.
O ponto central dessa revolução é traçado pela chegada das impressoras 3-D com preços mais acessíveis à população. Para um adepto do DIY (da sigla para do it yourself,ou faça você mesmo), o caminho da liberdade começa nessas máquinas, cujos preços hoje nos Estados Unidos começam em US$ 1000. Mas não é tão simples assim.
Empoderar não apenas o consumidor como criar uma nova legião de pequenos e médios empreendedores é o vislumbre de Anderson para o futuro. Para isso, são necessárias quatro ferramentas desktop: escaneador 3-D, máquina CNC (controle numérico computadorizado), cortadora a laser e impressora 3-D.
A impressão comercial 3-D ainda trabalha com poucos tipos de material (metal ou plástico), mas a tendência é de aumentar a variedade em médio prazo. Polpa de madeira e nanotubos de carbono não são um sonho distante, e algumas impressoras 3-D podem imprimir até circuitos elétricos. De órgãos a coberturas de bolos e armas, a gama de possibilidades é infinita - como bem aponta um capítulo intitulado "As ferramentas da transformação. As impressoras 3-D estão avançando rumo ao sonho dos alquimistas: fazer tudo".
Financiar, aprimorar e compartilhar
Construir algo, de fato, é apenas parte de um processo cíclico cujo cerne está no compartilhamento, uma das obsessões de Anderson desde o lançamento de seus dois livros anteriores A cauda longa (The long tail) e Free: the future of a radical price.
"Projetos compartilhados na web viram fonte de inspiração para outros e se transformam em oportunidades de colaboração. Os Makers individuais, assim conectados em âmbito global, se convertem em movimento social. Milhões de adeptos do FVM faça você mesmo, que até então trabalhavam sozinhos, passam a trabalhar juntos".
Reunir a sua volta uma comunidade amante dos mesmos interesses contribui para o aprimoramento do produto, e neste ponto é difícil discordar de Anderson. Porém, nota-se uma visão romântica do autor ao creditar uma competição como sadia com referência aos piratas que apenas copiam as ideias do grupo.
Defendendo amplamente a licença de código aberto, ele decreta que um dos principais elementos de uma comunidade bem sucedida é conteúdo com amplo apelo, não só fóruns de discussão, mas também postagens em blogs, compartilhamentos de fotos e de vídeos, além de feeds de notícias.
É exatamente nessa comunidade compartilhada que ele toca em terreno espinhoso ao afirmar que nada precisa surgir do zero, pois as inovações do modelo permitem uma perfeita aplicação a partir de uma realidade já existente, escaneando objetos e inserindo modificações desejadas. "Não é preciso inventar algo a partir do nada para ter uma ideia original. Em vez disso, você pode participar do aprimoramento colaborativo de ideias ou projetos existentes. A barreira de entrada na participação é mais baixa porque é mais fácil modificar arquivos digitais que criá-los do zero". Assim, faz todo o sentido listar, entre os objetos necessários às fábricas caseiras, um scanner 3-D, que copia a base existente em átomos e a transforma em bits. A pergunta que fica, porém, é: quais seriam os limites entre inovação e um simples aprimoramento? Ele não aponta claramente.
Outro item de fundamental importância proporcionado pela rede é o financiamento coletivo em sites no qual os empreendedores divulgam seus planos de negócios. Ele exemplifica com o Kickstarter, um dos mais proeminentes sites de crowdfunding, ou o capital de risco para o Movimento Maker. Assim como as ferramentas de produção, foram democratizadas também as formas de financiamento, formando nova classe de investidores, aqueles que investem em conceitos.
Apostas
Se a empolgação de Anderson contagia e faz com que o leitor vibre com as infinitas possibilidades abertas pela tecnologia a favor do empreendedorismo, por outro lado também é o ponto fraco do livro, e causa certa inquietação por não apontar críticas e desvantagens do sistema. Ao mesmo tempo em que cita como a indústria automobilística dá seus passos para que "novos bits dêem nova vida a velhos átomos" e se reinventam indústrias que parecem engessadas há anos, parece fechar os olhos para as preocupações reais sobre quem já está também utilizando as impressoras 3-D caseiras para outros fins. Recentemente foi fabricado o primeiro protótipo de armas.
Retomando seu pensamento sobre a "Cauda Longa", utiliza muitos exemplos de mercado de nicho - como um trabalhador normal que descobriu outros amantes de aquários de águas-vivas e se tornou empresário - e deixa de lado questões primordiais sobre o que se espera de uma revolução, que altere significantemente aspectos mais grandiosos do cotidiano.
De fato, vivencia-se um momento único de velocidade nas mudanças do ciclo de produção e da sociedade, e o livro de Anderson é sem dúvida uma aposta, que tende muito mais para acertos.
Makers - a nova revolução industria
Chris Anderson
Elsevier - Campus
2012
284 páginas
* 10/05/2013