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ComCiência

On-line version ISSN 1519-7654

ComCiência  no.145 Campinas Feb. 2013

 

EDITORIAL

 

O gordo, o belo e o obeso

 

 

Carlos Vogt

 

 

Os gordos de Fernando Botero são obesos?

Segundo o próprio artista colombiano, não, se se levar em conta suas declarações que vão no sentido de que ele não pinta gente gorda, mas o que faz é procurar expressar o volume como uma parte da sensualidade da arte.

Então, é por isso que embora gordas, as figuras gordas de Botero são sensuais e bonitas, mesmo numa época, como a contemporânea, em que o ideal de beleza é, cada vez mais, identificado com o traço, a magreza e, do peso do corpo, quase que com sua abstração? Quer dizer, os gordos de Botero são magros? Ou percebidos, esteticamente, como magros, já que a redondeza de suas formas, o volume de suas curvas, as cores vivas de seus movimentos e repousos, expressam a sensualidade de um estilo de representação e a apresentação de um estilo inconfundíveis, como forma de beleza em que o clássico e o popular se fundem para dizer que a arte não admite dietas e que o exagero é também limite de contensão?

Os gordos da arte são, então, diferentes dos gordos da realidade de tal modo que quando representado o gordo se faz magro e o magro segue sendo o padrão?

E os que morrem na mesa de cirurgia de clínicas suspeitas para entregar-se ao sonho de consumo de emagrecimento estético e conquistar apenas o estandarte do fim?

A obesidade é, desde alguns anos, tratada como uma questão de saúde pública e, em países emergentes como o Brasil, um problema que saltou da posição antagônica da desnutrição, portanto da falta de alimentação, para o excesso da concentração de gordura e de peso de boa parcela da população.

Ricardo Manini, numa reportagem sobre o documentário Muito além do peso , de Estela Renner, colhe ali a informação de que, no Brasil, 33% das crianças são obesas e de que quatro em cada cinco destas irão manter-se assim até o final da vida. ( Ciência e Cultura , Ano 65, nº 1, janeiro/fevereiro/março 2013, p. 12-14).

Num país em que o índice de obesidade vem aumentando significativamente desde o final dos anos 1980, acompanhando, nesse sentido, o seu crescimento e o seu desenvolvimento econômico e social, a questão é, de fato, preocupante e se tornou um item prioritário na formulação de políticas públicas para a prevenção e o tratamento dessa doença crônica multifatorial, dada a sua associação a vários problemas de saúde e ao aumento expressivo da taxa de morbidade da população.

Várias medidas vêm sendo adotadas, em diferentes países, para o combate à obesidade, desde a regulação e o controle da publicidade televisiva de alimentos gordurosos para crianças até sobretaxas de impostos específicas para esses produtos, ou mesmo taxas negativas e subsídios para produtos saudáveis, visando a estimular o seu consumo.

Há, desse modo, ao lado da consciência da gravidade do problema, a urgência das medidas para sua solução, buscando com isso não só o estabelecimento e a implementação de ações em diversos campos jurídico-institucionais, como também, e principalmente, a criação de uma cultura do saudável que seja efetivamente internalizada pela sociedade e passe a pautar, com naturalidade espontânea, os seus comportamentos e hábitos alimentares.

É uma tarefa nada simples que deve ainda levar em conta a complexidade dos aspectos psicológicos envolvidos na questão e que tem de preservar os limites das ações públicas em relação às liberdades individuais e aos direitos do cidadão.

Mas dizê-la complexa não é atenuante para não assumi-la. Ao contrário, é uma forma de entender a multivariedade de aspectos nela envolvidos e poder tomar a decisão acertada de nela participar, começando, desde logo, pela observação de seus próprios hábitos e pelas mudanças eventuais que possam contribuir para torná-los mais saudáveis.

Isso sem deixar de admirar, na bela obra de Fernando Botero, os volumes sensuais das figuras coloridas que povoam as cenas do cotidiano regional do artista e o universal do imaginário social e estético dos que o acompanham, veem e assistem, nas mais diferentes partes do mundo, sem fronteiras, sem limites, sem dietas, no exagero criativo da medida certa e no acerto preciso do alvo errático.

Os gordos de Botero não são obesos!

 

 

10/02/2013