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ComCiência

On-line version ISSN 1519-7654

ComCiência  no.143 Campinas Nov. 2012

 

RESENHAS

 

Entre casos e acasos: Físico explica de maneira bastante descontraída como usar a matemática para detectar os efeitos da aleatoriedade em nossas vidas

 

 

Daniela Ingui

 

 

Lidamos com números todos os dias. Ao abrir os jornais, lá estão eles nos informando a temperatura do dia, o percentual de chance do candidato do partido de esquerda ganhar a eleição ou o quanto a renda de cada brasileiro aumentou de um ano para o outro. Em nosso trabalho, podemos estimar o prazo para a conclusão de um projeto, avaliar o desempenho de determinado funcionário ou simplesmente contar quantos dias faltam para cair o próximo salário. Todas essas situações nos mostram como a matemática está presente em nosso dia a dia. Mas será que estamos usando-a da melhor forma? De acordo com o físico norte-americano Leonard Mlodinow, que leciona sobre teorias da aleatoriedade no Instituto de Tecnologia da Califórnia, não. Em seu livro O andar do bêbado: como o acaso determina nossas vidas, traduzido para o português por Diego Alfaro e publicado pela editora Zahar, ele nos mostra como podemos evitar conclusões equivocadas ao lidarmos com eventos aleatórios.

A princípio, um livro que trata de probabilidade e estatística pode parecer restrito a matemáticos e profissionais afins, mas este não é o caso. A leitura é bastante fluída, mesmo àqueles pouco versados no assunto, o que se deve ao modo bastante divertido com que Mlodinow traça relações entre a teoria matemática e situações corriqueiras. Contudo, o leitor não pode ser passivo; ele é convidado constantemente a aplicar as leis probabilísticas em sua vida. Assim, ter um bloco de anotações em mãos pode ser bastante útil para participar da solução dos problemas levantados pelo autor a cada capítulo. Àqueles que temem a matemática, uma boa notícia: as respostas envolverão muito mais lógica do que cálculos propriamente ditos. E conforme se avança na narrativa, mais clara fica a relação com o andar do bêbado, metáfora utilizada para fazer alusão ao movimento aleatório de uma pessoa alcoolizada.

O primeiro capítulo – "Olhando pela lente da aleatoriedade" – explica que o nosso cérebro está condicionado a buscar padrões para qualquer acontecimento cotidiano. É por isso que, quando nosso time começa a perder, logo atribuímos a culpa das derrotas sucessivas ao novo técnico contratado e passamos, então, a torcer por sua demissão. Só que, ao contrário do senso comum, uma análise matemática de todos os grandes esportes apontou que essas demissões não costumam provocar melhora significativa no desempenho da equipe. Como explicar o fracasso nesses casos? De acordo com Mlodinow, trata-se apenas de uma variação aleatória dentro do espectro de desempenhos possíveis daquele time em particular. A fase ruim seria, portanto, só uma fase de azar (o que, muitas vezes, já é suficiente para selar o destino do técnico azarão). Para evitar decisões precipitadas como essa, só conhecendo um pouco sobre estatística, ramo da matemática que nos permite inferir probabilidades com base nos dados observados.

Do mesmo modo que o desempenho de uma equipe de futebol, Mlodinow afirma que a maioria das características biológicas e/ou dos índices socioeconômicos apresentam uma distribuição normal, ou seja, um espectro de variação em que grande parte dos dados se situa próximo à média e apenas alguns deles se situam em um dos dois extremos. Assim, podemos dizer que embora o Neymar tenha média de um gol por partida, é possível que em alguns jogos ele não faça nenhum gol, enquanto em outros ele faça dois ou até três gols. A sua performance será, excluindo fatores como lesões, estado emocional, entrosamento com a equipe etc., resultado da variação aleatória dentro do que permitem suas habilidades. Logo, se ele jogar muito pior do que a sua média em uma dada partida, é esperado que, na próxima, seu desempenho "aparentemente melhore". Isso é o que o autor chama de regressão à média, fenômeno que reflete a atuação do acaso e não, por exemplo, os possíveis efeitos das broncas dadas pelo seu treinador. O mesmo vale quando gritamos com alguém que está aprendendo a dirigir ou brigamos com nosso filho quando tira uma nota baixa na escola. A verdadeira melhora de habilidade só pode ser verificada a longo prazo, quando esse espectro de desempenhos sofre um ligeiro deslocamento.

Você pode estar pensando que nada, então, pode ser previsto se todas as nossas ações sofrem influência do acaso. Entretanto, como sugere o oitavo capítulo, há "ordem no caos". Apesar do destino de cada pessoa ser, de um modo geral imprevisível, é possível enxergar um padrão a partir de um grupo de pessoas atuando aleatoriamente. Esse padrão, ao contrário do que costumamos fazer, não é normalmente detectado quando analisamos um conjunto pequeno de dados. É por isso que um medicamento só é liberado quanto o teste de sua eficácia envolve, digamos, mil pessoas e não dez. Mesmo que a taxa de melhora dos pacientes testados seja de 30% em ambas as situações, qualquer um sabe que o seu significado não é equivalente. A ideia sobre como o espaço amostral pode influenciar uma análise estatística é apresentada no terceiro capítulo – "Encontrando o caminho em meio a um espaço de possibilidades" – para ser aprofundada no quinto – "As conflitantes leis dos grandes e dos pequenos números".

É claro que o modo mais confiável de determinar se um medicamento funciona ou não seria testá-lo em todas as pessoas portadoras da doença que ele se propõe a tratar. Como isso é impossível de se fazer na prática, precisamos escolher um grupo de pessoas e "torcer" para que os resultados observados nelas reflitam as probabilidades disso acontecer em qualquer indivíduo na população. Difícil talvez seja determinar o tamanho mínimo da amostra para que os resultados se aproximem ao máximo da realidade, embora se acredite que uma amostra em torno de mil indivíduos costume produzir erros inferiores a 5%. Mais difícil ainda é delinear como deve ser feita essa amostragem, uma vez que a população não é homogênea (e talvez por isso tenha sido bastante oportuno a Mlodinow sequer tocar nesse assunto).

Uma forma bastante interessante de avaliarmos como o padrão detectado em uma análise estatística bate com o "verdadeiro" é o caso de uma eleição, quando a intenção de votos é medida com base em entrevistas realizadas com um grupo de mil a duas mil pessoas. Na eleição para prefeito de São Paulo, por exemplo, o Datafolha publicou no dia 27/10 que Fernando Haddad (PT) detinha 58% das intenções de votos válidos contra 42% do candidato José Serra (PSDB). A pesquisa tinha margem de erro de 2%, o que significa que cada um desses valores podia variar 2% para baixo ou para cima . No dia 28/10, pudemos verificar o resultado de fato: 55,57% para Haddad e 44,43% para Serra, resultado praticamente dentro da margem de erro do Datafolha, o que prova que a estatística pode mesmo nos ajudar a detectar esses padrões coletivos.

Outro ponto bastante interessante que o livro mostra é que nem sempre a probabilidade de um evento é independente de outro. Assim, quase todo mundo concorda que a chance de uma pessoa bater o carro quando está alcoolizada é muito maior do que quando está sóbria. A probabilidade condicional é um dos assuntos do sexto capítulo – "Falsos positivos e verdadeiras falácias". A partir dele, podemos perceber que as estimativas iniciais podem ser ajustadas com o acréscimo de informações, o que aumenta a previsibilidade de nossos modelos. Isso é o que fazem, por exemplo, as companhias de seguro quando dão descontos aos "bons motoristas": elas estão apenas utilizando os dados recém adquiridos a respeito daquele motorista, segundo os quais sua chance de acionar o seguro não é tão alta quanto o estimado no início.

O mesmo capítulo trata, como o próprio nome diz, dos falsos positivos, isto é, dos erros inerentes de um exame diagnóstico, como o do HIV (vírus da Aids). O próprio autor, certa vez, ouviu de seu médico de que ele tinha 99,9% de chance de estar com Aids, uma vez que a probabilidade de seu exame de HIV ter gerado um falso resultado positivo era de apenas uma em mil. Contudo, reanalisando algumas estatísticas, Mlodinow chegou à conclusão de que apenas um de cada 11 pacientes que tiveram exames positivos era, de fato, um portador do HIV dentre o grupo de americanos brancos, heterossexuais e não usuários de drogas, o que reduzia suas chances drasticamente. De fato, ele não tinha Aids, mas o episódio serve para nos mostrar que é sempre bom ficar atento às taxas de erros dos exames médicos, bem como ao grupo de risco a que pertencemos, ao analisar uma probabilidade condicional.

A margem de erro de pesquisas eleitorais, exames médicos ou do desempenho de atletas nos faz pensar o quanto a ciência, e por consequência a matemática, é imprecisa, embora tenhamos a impressão de que os números conferem maior exatidão do que as palavras. A própria medição depende de um sujeito, que carrega consigo toda a sua subjetividade. Medir, como mostra o sétimo capítulo – "A medição e a lei dos erros" –, implica em variação, que será tanto maior quanto mais subjetivos forem os dados aferidos. Por isso, não é de se surpreender que um mesmo professor possa dar notas diferentes para uma mesma prova, por exemplo. É por isso também que os cientistas não costumam elaborar suas conclusões com base em uma única medição; é preciso calcular a média, o desvio padrão, enfim, avaliar como é a distribuição de seus dados.

Mesmo assim, acreditamos nos números e buscamos neles uma certeza que não é mais compatível com a lógica probabilística da ciência contemporânea. Entender como o aleatório está presente em nossas vidas é perceber que nem sempre conseguiremos determinar um padrão para o nosso "andar de bêbado"; é usar as ferramentas probabilísticas para inferir possibilidades mais gerais, com base em um número maior de evidências, sem esquecer das limitações quanto à capacidade preditiva dos padrões gerados. Só assim seremos capazes de perceber que o sucesso é resultado muito mais de nossa persistência do que de algum talento nato. Afinal, por mais que uma moeda esteja viciada em cara, uma hora ela pode dar coroa, não é mesmo? É só continuar jogando e aproveitar as oportunidades (e desenvolver as habilidades) que aparecerem pela nossa frente. Boa sorte!

O andar do bêbado: como o acaso determina nossas vidas
Leonard Mlodinow
Editora Zahar, 2009 (261 p.)

 

 

10/11/2012