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ComCiência
On-line version ISSN 1519-7654
ComCiência no.141 Campinas Sept. 2012
RESENHAS
A hora e a vez do aprendiz: Fredric Litto vê na educação a distância uma revolução possível na aprendizagem, capaz de subverter a hierarquia professor-aluno e estimular maior engajamento e autonomia do aprendiz
Meghie Rodrigues*
Aprendizagem a distância
Fredric Litto
Ano: 2010 Editora: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
Nº de páginas: 92
As formas de aprender são muitas e também o são as de ensinar. Estilos, aptidões e preferências variam de pessoa a pessoa, mas todas podem encontrar seu espaço e desenvolver novas habilidades utilizando a aprendizagem a distância - principalmente através do uso de ferramentas que facilitem o acesso à internet. Esta é uma das principais ideias que o livro Aprendizagem a distância, de Fredric Litto, sustenta ao longo de suas páginas, numa defesa apaixonada da dita educação a distância (EaD), no intuito de provocar reflexões em educadores que já utilizam a EaD como ferramenta e introduzir a prática àqueles que não a utilizam.
Fredric Litto, que é presidente da Associação Brasileira de Ensino a Distância (Abed), tem experiência de longa data em EaD: graduado em rádio e TV pela Universidade da Califórnia - Los Angeles (UCLA), nos Estados Unidos, é PhD em comunicação pela Universidade de Indiana e atua na área de educação a distância desde 1957, quando trabalhou com rádio-educação na Pacific Foundation KPFK-FM e na UCLA Radio. Foi professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) entre 1971 e 2003 e é fundador da Escola do Futuro, laboratório da USP que se dedica à pesquisa sobre as aplicações das tecnologias da informação na educação.
Dividido em cinco seções principais, o livro aborda desde a relação entre trabalho e ensino, passando por discussões sobre as mudanças que a educação vem sofrendo ao longo dos anos (principalmente com o advento de uma sociedade digitalizada) até as vantagens, desvantagens, preconceitos e desafios no que concerne à EaD.
Litto parte da premissa de que a educação convencional tem uma estrutura rígida e altamente hierarquizada, com o professor na posição de poder, portador do papel ativo no processo de aprendizagem, e com o aluno como o elemento passivo da equação, um mero receptáculo de informações estanques (que ele não pode escolher de acordo com suas necessidades e interesses). Com a educação a distância, todo esse cenário se transforma: o aluno pode escolher que tipo de conhecimento quer absorver, quando e como fazê-lo, o que cria uma possibilidade muito grande de engajamento com o objeto de estudo. Existe, assim, uma maior proximidade emocional entre estudante e aprendizagem e é mais fácil ver que utilidade tem aquele conhecimento, já que a iniciativa parte da necessidade e da vontade do aluno.
O professor não é mais, de acordo com essa visão, a fonte do conhecimento e nem está acima do aluno - pelo contrário, está ao seu lado, ainda que distante, trabalhando na função de orientador e moderador de um debate que acontece entre quem aprende. Em alguns casos, lembra Litto, ele nem é necessário (quando não se trata de um curso formal, por exemplo). O autor chama a atenção para as mudanças e transformações que estão ocorrendo e vão continuar a acontecer, considerando-as inevitáveis. "O professor que limita seu trabalho à entrega de fatos e conhecimentos aos alunos logo será substituído por computadores e sites da internet que fazem essa tarefa vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Mas o profissional que concentra seus esforços na criação de ambientes e tarefas que permitam aos alunos, por si mesmos, chegar a fatos e conhecimentos sob diferentes possibilidades de interpretação da informação obtida, nunca será substituído na aprendizagem presencial ou a distância", pondera.
A prática de EaD, que vem muito antes do surgimento dos ambientes virtuais de aprendizagem da internet - a Universidade de Londres, por exemplo, já tinha cursos por correspondência em 1858; e cursos com material gravado em vídeo e áudio também foram largamente utilizados antes da convergência de funções dos novos meios de comunicação -, é, segundo Litto, uma forma de promover uma maior capilaridade do conhecimento, principalmente, entre pessoas que não têm fácil acesso a escolas formais por morarem em lugares isolados ou por terem uma rotina que não as permite frequentar aulas presenciais. Esse é um ponto importante para a EAD, mas nem tudo são flores: muitos cursos podem não oferecer a qualidade que prometem, o risco de evasão é alto e há lugares, como o Brasil, em que a EaD ainda não é vista como parte da cultura educacional, mas como um elemento extra cujas políticas exigem outro tipo de regulação. A qualidade dos métodos de avaliação também pode ser geradora de polêmica, mas Litto acredita firmemente que é possível avaliar o rendimento de um curso com qualidade, através de exercícios que testem mais a capacidade de síntese e articulação de ideias do que, necessariamente, a memória dos alunos.
Outra questão importante que o pesquisador levanta é que a EaD, embora altamente inclusiva e facilitadora de novas possibilidades, não é algo para todos. Litto reitera que é preciso que os alunos sejam muito motivados, autônomos, pró-ativos e independentes e estejam dispostos a compartilhar ideias e dúvidas, pois, apesar de oferecer mais flexibilidade, a EaD não faz com que a aprendizagem em si seja mais fácil: exige mais engajamento por parte do estudante, já que, como disse Litto, nessa modalidade não se pode apenas esperar receber o conhecimento do professor de forma passiva.
E, como se sabe, não são apenas aspectos psicológicos que fazem a cisão entre incluídos e não-incluídos no mundo digital no Brasil. Há os indicadores sociais - ainda que relativamente otimistas, estão muito aquém do ideal: segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas publicada no fim de julho, metade da população tem acesso a meios digitais, mas grande parte dessa metade está concentrada em locais com altos níveis de qualidade de vida (os piores índices de inclusão estão concentrados na região Norte). A distância entre as cidades mais e menos incluídas é abissal: a taxa de inclusão de Fernando Falcão (MA) é de 3,7% e a de Florianópolis (SC), 77%. Para que a EaD realmente cumpra seus objetivos, essas taxas precisam ser muito menos heterogêneas. Essa questão é pouco abordada no livro, mas não é um tema que Litto deixa escapar completamente, embora pudesse ser mais explorado.
Transitando entre esses e outros temas concernentes à tele-educação, Aprendizagem a distância é um livro com linguagem bastante simples e (por vezes, excessivamente) didática, que serve bem para o objetivo a que se propõe: fazer uma introdução descomplicada, curta e direta das possibilidades da EaD. Assume um tom bastante otimista sem desprezar, no entanto, aspectos técnicos e alguns questionamentos. Tem ilustrações muito bem-humoradas do cartunista Caruso e é uma leitura bastante válida, tanto para quem já trabalha na área quanto para quem tem curiosidade sobre o assunto de maneira menos específica.
* 10/09/2012