SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue138A multidisciplinaridade como resolução para novos problemas científicosInterdisciplinaridade na graduação forma profissionais mais qualificados author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Article

Indicators

  • Have no cited articlesCited by SciELO

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Bookmark

ComCiência

On-line version ISSN 1519-7654

ComCiência  no.138 Campinas May 2012

 

REPORTAGEM

 

Agregação de áreas é processo em curso na universidade brasileira

 

 

Aline Naoe*

 

 

Considerada hoje, mais que uma tendência, um movimento espontâneo e intrínseco à ciência contemporânea, a produção de conhecimento em bases interdisciplinares vem gradualmente sendo incorporada pelas universidades. No Brasil, essa é uma realidade visível em diversas iniciativas, tanto na graduação como na pósgraduação e em estruturas dentro desses espaços que são, por definição, agregadores. "Quando se considera que 80% da produção científica é realizada nas universidades públicas, as mudanças estruturais nessas instituições, para facilitar a pesquisa multidisciplinar, se mostram particularmente urgentes", indica o Livro Azul, documento com recomendações geradas pela 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), lançado em 2010.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), além de ser uma agência nacional de fomento à pesquisa, é a entidade responsável pela avaliação trienal de todos os cursos de pós-graduação no país e também pela avaliação de novas propostas. Essas avaliações são feitas a partir da configuração da tabela de áreas de conhecimento. Segundo a página da Capes, "a classificação das áreas do conhecimento tem finalidade eminentemente prática, objetivando proporcionar aos órgãos que atuam em ciência e tecnologia uma maneira ágil e funcional de agregar suas informações". Em 1999, foi criada a área multidisciplinar, que passou a ser chamada de área interdisciplinar, em 2008. "A questão da interdisciplinaridade tem sido colocada como questão chave para o aperfeiçoamento da qualidade da pós-graduação brasileira", afirma Arlindo Philippi Jr, que entre 2007 e 2011 foi coordenador da Área Interdisciplinar da Capes.

 

 


Clique para ampliar

 

Como reflexo dessa nova configuração, Philippi, que atualmente é pró-reitor adjunto de pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP), cita o Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 2011-2020. "Há um capítulo inteiro dedicado à questão da interdisciplinaridade como a base para o desenvolvimento da pós-graduação brasileira, a necessidade de que seja realmente o fundamento para programas de qualidade”, comenta. Outro sintoma desse movimento é o crescimento sistemático do número e classificação dos programas de pós-graduação interdisciplinares.

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), dispõe atualmente de comitês formados por pesquisadores para julgar e acompanhar os pedidos de projetos de pesquisa e de formação de recursos humanos. No início da década de 1990, o CNPq chegou a instituir um comitê multidisciplinar, mas segundo o pesquisador Marcel Bursztyn, em artigo publicado na Liinc em Revista, foi uma experiência mal sucedida, por sua baixa efetividade.

Outros instrumentos importantes que essas organizações possuem e que incentivam o desenvolvimento de pesquisas interdisciplinares são as chamadas e editais de pesquisa. Muitas das agências de fomento federais e Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) têm adotado editais temáticos, que favorecem o financiamento de projetos interdisciplinares em temas como energia, água, mudanças climáticas. Essas pesquisas envolvem, geralmente, equipes maiores, com origem em vários departamentos e/ou instituições.

"A própria comunidade científica tem verificado que as questões contemporâneas têm aumentado sua complexidade, exigindo também cuidado maior em relação à busca de soluções para esses problemas complexos", afirma Philippi, para quem a solução não é possível por uma única área do conhecimento, mas por várias, por meio do diálogo entre elas.

 

Estudos avançados e interdisciplinaridade

Embora a organização dos chamados institutos de estudos avançados varie muito - temas, independência financeira, tipo de membros entre outros -, podemos encontrar nesses órgãos, geralmente locados em universidades, algumas características comuns. "Na prática, parece que todas têm um programa de fellowship para membros visitantes, com foco na pesquisa, não no ensino, e todos cruzam as fronteiras disciplinares", resume Peter Goddard, físico matemático e diretor do Instituto de Estudos Avançados de Princeton. Em palestra apresentada no Simpósio Internacional de Estudos Avançados do Centro de Estudos Avançados da Unicamp (Ceav-Unicamp), Goddard comentou a possibilidade de falar em um novo estágio de desenvolvimento da universidade, que teria levado à formação de institutos de estudos avançados. Para o pesquisador, entre os motivos que levaram à proliferação desses espaços a interdisciplinaridade é, talvez, o aspecto mais sutil e difícil de examinar, "Institutos de estudos avançados não precisam ter a arrogância de achar que poderão resolver os problemas sistêmicos da universidade contemporânea. É possível que ajudem em certa medida, mas o seu sucesso e a sua proliferação talvez sejam um sintoma de um mal-estar mais difuso ou mesmo de uma crise na universidade moderna", afirma. Um dos sintomas dessa crise seria a possibilidade do acadêmico ter de assumir papéis no ensino de graduação, em um departamento com função de pesquisa dentro de uma disciplina e em um instituto interdisciplinar.

No Brasil, o primeiro instituto de estudos avançados foi criado pela Universidade de São Paulo (IEA-USP), em 1986 e, hoje, outras universidades também desenvolveram órgãos semelhantes, como o CEAv-Unicamp. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) abriga o Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT), do qual o filósofo Ivan Domingues foi um dos fundadores e ex-diretor. Domingues afirma que a tarefa proposta de promover estudos de ponta e difundir a transdisciplinaridade, não é fácil. "O ambiente nas melhores universidades do mundo é bastante disciplinar. Isso é especialmente claro na área do ensino - graduação e pós. O que não faltam são regulamentações: cargas horárias, currículos rígidos, diplomas reconhecidos, regulações das profissões etc", afirma.

Segundo Domingues, o grupo que criou o instituto procurou, então, explorar diferentes frentes da pesquisa e o desafio passou a ser identificar temas ou problemas com potencial transdisciplinar e na ponta do conhecimento. "Hoje, passados mais de 10 anos, podemos dizer que o IEAT está bem implantado na universidade e desfruta de reconhecimento e prestígio. Mas a imensa maioria dos colegas se sente mais à vontade com as suas disciplinas e especialidades", pondera.

 

Novas experiências

No final da década de 1990, foi firmado o Tratado de Bolonha, com o objetivo de formular um espaço europeu de ensino superior, ou seja, integrar as estruturas educativas dos países participantes, promovendo maior mobilidade dos estudantes e prevendo a uniformização dos estudos superiores, com o reconhecimento do diploma em todos os países membros. Esse modelo prevê a flexibilidade dos programas de estudo e do percurso acadêmico dos alunos.

O processo de Bolonha influenciou a criação dos bacharelados interdisciplinares no Brasil em algumas universidades, como a Universidade Federal do ABC (UFABC) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Esta última colocou em prática o projeto Universidade Nova, uma proposta de transformação curricular que formou em 2012 os duzentos primeiros alunos. Esses cursos são divididos em três ciclos: o bacharelado interdisciplinar, a formação profissional e a pós-graduação. "Além de evitar a precipitação das escolhas profissionais, os primeiros ciclos longos serão uma excelente ocasião para a disseminação da cultura inter e transdisciplinar - o desafio será vencer o holismo difuso e o generalismo vazio que costumam acompanhar essas iniciativas, levando-as ao descrédito", diz Domingues.

A ressalva do pesquisador diz respeito à necessidade de compreender que não se condenam as disciplinas, mas o especialismo excessivo. "Estamos a falar do multi, do inter e do trans-disciplinar, e não do anti, do contra e do indisciplinar. O foco são as disciplinas e a necessidade de ir além delas. Porém, sem uma base disciplinar forte, com conhecimento de causa das lacunas e das barreiras, o trans jamais será alcançado", afirma.

 

 

* 10/05/2012