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ComCiência
On-line version ISSN 1519-7654
ComCiência no.136 Campinas Mar. 2012
RESENHAS
Que fim terá o "Antropoceno"?
Dois livros de 2011 jogam um olhar sobre a história da Terra e da vida que nela habita, com um alerta sobre a crescente redução do gelo e da biodiversidade
Rodrigo Cunha
O mundo que habitamos hoje já foi bastante inóspito no passado e sofreu mudanças significativas ao longo de seus bilhões de anos de existência - uma escala de tempo nada fácil de imaginar. Entre idas e vindas, o planeta já foi diversas vezes coberto de gelo e já foi até mais quente do que nos dias atuais em que o aquecimento global permanece nas pautas de discussão, tanto no meio científico quanto político. A vida encontrou aqui condições favoráveis para florescer e se diversificar extraordinariamente ao longo do tempo. Algumas formas de vida resistiram às inúmeras catástrofes naturais, enquanto outras se extinguiram. Mas as mudanças na Terra nunca tiveram um ritmo tão acelerado quanto no período mais recente de sua história, chamado por alguns cientistas de "Antropoceno", para caracterizar uma era geológica dominada pela ação do homem.
Esse olhar para o passado geológico do planeta e para as atuais mudanças no clima e suas consequências para a vida são pontos em comum de duas publicações lançadas no Brasil em 2011, às vésperas da reedição do encontro global que o Rio de Janeiro sediou há duas décadas, colocando definitivamente em destaque as questões ambientais. Uma delas é Biodiversidade em questão, de Henrique Lins de Barros, voltada para o público infanto-juvenil. A outra é Um mundo sem gelo, de Henry Pollack, que já havia saído nos Estados Unidos em 2009 e cuja tradução chega agora ao Brasil. Da Eco 92 para cá, não só as discussões sobre o ambiente cresceram em peso e relevância como tornaram-se temas da moda, seja biodiversidade ou mudanças climáticas. Ante tudo o que já foi dito nesses últimos 20 anos, o que esses dois livros teriam como diferencial?
Um deles é a inusitada área de atuação de seus autores - do ponto de vista de um leigo, evidentemente. Barros encarou como um desafio a encomenda que recebeu de Nísia Trindade de Lima, vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para escrever sobre biodiversidade. Ele é físico e sua especialidade é a biofísica de bactérias magnéticas. E é falando de seus estudos sobre esses estranhos seres que ele abre sua narrativa sobre a diversidade da vida na Terra. O resultado, lançado em parceria entre a Editora Fiocruz e a Claro Enigma - braço da Companhia das Letras voltado para publicações paradidáticas - , é um livro de fácil leitura, que resume a saga da vida de forma atraente para o público infanto-juvenil.
Ao descrever os aquários de seu laboratório de pesquisa, com águas coletadas de lagoas do Rio de Janeiro, Barros sinaliza qual será o fio condutor de sua narrativa: em alguns, a vida se adapta às novas condições; em outros, a vida surge surpreendentemente de uma água suja, que aos poucos vai se limpando naturalmente; mas há aqueles em que a água está tão poluída que não há como uma forma de vida se manter ali. Em seu breve resumo da história geológica da Terra, ele faz menção às eras glaciais, a erupções vulcânicas, e ao impacto de grandes asteroides para falar em vidas que se extinguiram e em outras que resistiram às catástrofes naturais e se adaptaram a condições extremas.
Do início ao fim do livro, Barros faz menção ao período mais recente, em termos geológicos, relativo à expansão do homem na Terra e ao aumento vertiginoso do uso dos recursos naturais para atender à demanda da crescente população humana. Boa parte do que ele aponta já é algo bastante explorado na mídia e até mesmo nas escolas, por estar ligado a outro tema da moda, a sustentabilidade. Mas há episódios interessantes em sua narrativa, como a preocupação com o reflorestamento, muito anterior à Eco 92, no reinado de Pedro II, para resolver o problema da qualidade da água para abastecer a crescente população da capital do Império. O livro é uma boa dica para o público jovem.
Um mundo sem gelo, por sua vez, foi escrito por um professor de geofísica da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, especializado em estudar as temperaturas do solo tanto nos continentes terrestres, quanto nos glaciais. Pollack integrou o time de cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que dividiu o Prêmio Nobel da Paz de 2007 com Al Gore, o ex-vice-presidente norte-americano e autor do documentário sobre o aquecimento global: Uma verdade inconveniente. Al Gore, que assina a apresentação do livro, tem um projeto para disseminação das ideias relativas às mudanças climáticas, do qual Pollack participou como professor para treinar disseminadores voluntários, como aposentados, estudantes e donas de casa.
Seu livro, que conta uma história geológica da Terra bem mais detalhada que a de Barros, também narra as dificuldades encontradas pelos navegadores até a recente conquista dos continentes glaciais. Nesses trechos, a narrativa tem o sabor das aventuras de viagem e Pollack revela um talento surpreendente como contador de histórias e a sensibilidade de um apaixonado na descrição do cenário do continente antártico. Em outros trechos, a leitura se torna um tanto densa, com informações geológicas que não dispensam o vocabulário técnico, mas que não chegam a comprometer o interesse do leitor pela saga do personagem principal da narrativa, o gelo.
Pollack faz menção aos céticos que questionam o aquecimento global ou que o admitem, mas negam que ele seja devido às ações humanas. Nos momentos em que Pollack interrompe a narrativa para comentar esse debate, seus argumentos são simples e convincentes. Um deles é que certamente ocorreram fenômenos como os incêndios florestais causados por quedas de raios, antes de o homem aparecer na Terra; mas a ação antrópica em sua expansão pelo mundo superou as causas naturais de desflorestamentos. Outro argumento simples diz respeito ao ritmo de aquecimento ser maior no período mais recente, levando-se em conta os ciclos naturais de esfriamento e aquecimento da Terra: o crescimento da população e da demanda por energia no último século foi exponencial, e o aumento da queima de combustíveis fósseis acelerou o aquecimento global. Como diz Pollack, a ação individual de cada um de nós pode parecer inútil diante de um problema tão grande e inexoravelmente consumado, mas basta multiplicar pelos bilhões de humanos do planeta para ver que fará diferença.
10/03/2012