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ComCiência
On-line version ISSN 1519-7654
ComCiência no.133 Campinas 2011
REPORTAGEM
Um Brasil bem maior cinco séculos depois
Leonor Assad
Quando Pedro Álvares Cabral aqui chegou com suas três caravelas e dez naus tripuladas por 1.500 homens, o Brasil ocupava uma área de cerca de 2.650.000 km2 ao sul da linha do Equador, na parte leste da América do Sul. Hoje o território brasileiro se estende por 8.514.876 km2, que fazem do Brasil o 5º maior país do mundo. E, se prevalecer um pedido recente feito à Organização das Nações Unidas (ONU), poderão ser acrescentados mais uns 4.500.000 km2 de mar territorial, a chamada Amazônia Azul. Essa espetacular expansão envolveu astúcia, mortes, ouro, dinheiro e muita negociação. E poderá, ao cabo desses pouco mais de 500 anos, tornar o Brasil quase cinco vezes maior do que era quando se firmou o Tratado de Tordesilhas em 7 de junho de 1494.
O Tratado de Tordesilhas resultou de intensas negociações entre Portugal e Espanha, as duas potências marítimas que, desde o século XV, expandiam suas terras a pretexto de defender o cristianismo mundo afora. Por meio dele, foi estabelecida a divisão das áreas de influência dos países ibéricos, cabendo a Portugal as terras descobertas e por descobrir situadas antes da linha imaginária que demarcava 370 léguas marítimas a oeste das Ilhas de Cabo Verde, que pertenciam aos portugueses. À Espanha caberiam as terras que ficassem além dessa linha.
Conforme assinala a geógrafa Vânia Vlach, em sua tese de doutorado defendida em 1997 na Universidade de Paris VIII, o Tratado de Tordesilhas trouxe muitos problemas. Primeiro, os instrumentos da época não permitiam determinar com precisão as 370 léguas marítimas. Outro problema era que não se sabia qual ilha do Arquipélago de Cabo Verde serviria de referência para se contar as 370 léguas marinhas; isto é, não se conseguia definir o meridiano adequado. Assim, o Tratado de Tordesilhas, ratificado em 26 de janeiro de 1506 pelo papa Julio II, por meio da Bula Ea Quae Pro Bono Pacis, teve apenas efeito moral. De todo modo, destaca Vania Vlach, o meridiano de Tordesilhas legitimou a presença portuguesa na América.
Em busca do ouro
A chegada de Cabral à costa brasileira em 21 de abril de 1500 não foi obra do acaso. Tendo saído de Lisboa em 9 de março daquele ano, o jovem capitão Cabral, depois de passar pelas Ilhas de Cabo Verde, desviou sua esquadra para a direita rumo à porção de terra que se supunha existir a leste da Ilha de Cabo Verde, mas ainda não ocupada pelos portugueses. E o fez sob as ordens de D. Manuel I, rei de Portugal de 1495 a 1521, que, endividado, tinha motivos fortes para enviar Cabral às terras portuguesas, antes de seguir para as Índias.
Com efeito, quando assumiu a coroa portuguesa, D. Manuel I herdou também uma dívida muito grande, que crescia há mais de 100 anos. Portanto, Cabral estava atrás de ouro, adotado como moeda desde o século IV a.C. Mas o que o navegador português levou do Brasil de presente ao rei foram araras, papagaios, arcos, flechas, penas e plantas tropicais, inúteis para amenizar as dívidas reais. O rei português preferiu o comércio com as Índias, de onde vinham grandes quantidades de especiarias, porcelana, diamantes e rubis.
Do Brasil, a Coroa Portuguesa explorou principalmente o pau-brasil. Entretanto, o Brasil, entre 1500 e 1530, dava muitos prejuízos a Portugal. No livro A história econômica do Brasil, publicado em 1938, Roberto Simonsen afirma que a retirada de centenas de toneladas de pau-brasil representava menos de 5% do que era arrecadado pelos cofres portugueses. E ainda era necessário gastar para proteger as terras brasileiras, frequentadas regularmente por invasores.
A solução foi adotar no Brasil o que vinha sendo feito nas Ilhas da Madeira e Cabo Verde: doar terras para colonização.
Nascia a primeira divisão de terras no Brasil. Em 1534, D. João III, sucessor de D. Manuel I, dividiu o território em 14 capitanias hereditárias, correspondentes a 15 lotes e distribuídas a 12 donatários. Do norte para o sul tinha-se: Primeira Capitania do Maranhão, Segunda Capitania do Maranhão, Ceará, Rio Grande, Itamaracá, Pernambuco (ou Nova Lusitânia), Bahia de Todos os Santos, Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, São Tomé, Rio de Janeiro, Santo Amaro, São Vicente e Santana. Todas tinham por limite leste o mar e limite oeste a linha imaginária (e um tanto incerta) do Tratado de Tordesilhas.
Como a nobreza lusitana não se interessou por essas doações, as capitanias brasileiras foram concedidas a membros da burocracia estatal, a militares e a navegadores, que tinham poderes absolutos para legislar e controlar tudo em suas terras, menos arrecadar os impostos reais. A divisão dos lotes foi feita com base em acidentes geográficos (em geral rios, baías e ilhas) e não respeitou a divisão territorial das tribos indígenas. Esse arranjo revelou-se problemático: dos 12 donatários, quatro nunca estiveram no Brasil; dos oito que vieram, apenas Duarte Coelho fez uma boa administração em Pernambuco; dos 15 lotes, Rio de Janeiro, Ceará, Ilhéus e Santana não foram ocupados; apenas em Pernambuco e em São Vicente a colonização foi bem sucedida; e foram muitos os conflitos com a população indígena. Ainda assim, as capitanias hereditárias representam a primeira incursão de portugueses nos trópicos e marcou a estrutura fundiária e agrária do Brasil.
Com o objetivo de centralizar a administração e melhor informar à Coroa Portuguesa sobre as descobertas feitas na colônia, D. João III instituiu, em 1549, um governo geral, com sede na Capitania da Bahia de Todos os Santos, adquirida pelo rei, mediante indenização. Foram três os governadores gerais: Tomé de Souza (1549 a 1553), Duarte da Costa (1553 a 1557) e Mem de Sá (1557 a 1572). Após a morte deste último, o novo rei, Dom Sebastião, dividiu o Brasil em governo do norte, com capital em Salvador, que administrava a região da Capitania da Baía de Todos os Santos até a Capitania do Maranhão; e em governo do sul, com sede no Rio de Janeiro, responsável pelos territórios da Capitania de Ilhéus até a Capitania de Santana.
Mas ainda era necessário encontrar o ouro do Novo Mundo, até porque a Espanha estava cada vez mais rica com os sucessivos ganhos nas suas colônias a leste do meridiano de Tordesilhas. Pero de Magalhães de Gândavo, historiador e cronista português do século XVI, é o autor da primeira história do Brasil publicada em língua portuguesa. Em sua História da província de Santa Cruz, de 1576, ele afirma: "Esta província de Santa Cruz, além de ser tão fértil como digo, e abastada de todos os mantimentos necessários para a vida do homem, é certo ser também muito rica, e haver nela muito ouro e pedraria, de que se têm grandes esperanças."
Com efeito, em 1561, algumas minas foram encontradas na Serra do Jaraguá, em São Paulo de Piratininga. Mas eram pouco promissoras em face das enormes dívidas de Portugal. Assim, e sempre na busca do valioso minério, os portugueses expandiram seu território para sudeste e para oeste, conquistando ou fundando novas aldeias e fortalezas.
Ouro em quantidade significativa só foi descoberto em 1693, na região mais tarde chamada de Minas Gerais. O metal passou a ser visto por toda parte, nas margens e em leitos de rios, em morros e até no chão. Milhares de portugueses venderam tudo que possuíam, despovoando vilas principalmente do norte de Portugal. Muitos dos que viviam de cultivos próximos à costa brasileira também migraram para o interior. Tamanha movimentação atiçou estrangeiros. Multiplicaram-se as invasões e as disputas de territórios. Muitos morreram em busca de ouro.
O gigante envolvido em conflitos se divide
De 1500 até os dias de hoje, o Brasil cresceu e se dividiu em províncias e depois em estados. Também não foram poucos os conflitos e as disputas de terras. Destacam-se:
- Guerra dos Emboabas: de 1707 a 1709, opôs paulistas, descobridores de minas de ouro nas Minas Gerais, e forasteiros portugueses, os emboabas, que se apoderaram de algumas das melhores minas, pela força do dinheiro ou de armas; terminou com a derrota dos paulistas.
- Guerra da Cisplatina: de 1825 a 1828, entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata, pela posse da Província Cisplatina, atual República Oriental do Uruguai. Foi o primeiro de quatro conflitos armados internacionais pela supremacia do Brasil na América do Sul. O segundo foi a Guerra do Rio da Prata, de agosto de 1851 a fevereiro de 1852; o terceiro foi a Questão Uruguaia, em 1864; e o último, a Guerra do Paraguai, também chamada Guerra da Tríplice Aliança, de dezembro de 1864 a março de 1870.
- Cabanagem: provavelmente a mais sangrenta revolta social já ocorrida no Brasil, se estendeu de 1835 a 1840, em Belém; os revoltosos lutavam contra a nomeação dos presidentes das províncias e principalmente contra as péssimas condições de vida de grande parte da população da província do Pará.
- Guerra dos Farrapos: estendeu-se de 20 de setembro de 1835 a 1° de março de 1845; de caráter republicano, resultou na declaração de independência da província de São Pedro do Rio Grande do Sul como estado republicano, dando origem à República Rio-Grandense.
- Sabinada: ocorrida em Salvador entre novembro de 1837 e março de 1838, foi um levante da classe média baiana contra o poder central e a supremacia dos senhores de engenho.
- Balaiada: insurreição que se espalhou pelo Maranhão, de 1838 a 1841, foi marcada por saques principalmente nas cidades de São Luís e Caxias.
- Revolta Praieira: iniciada em Recife e Olinda, em 1848, espalhou-se, até 1850, por todo Pernambuco; de caráter liberal, os rebeldes reivindicavam a instalação de uma Constituinte para redigir uma nova Constituição e a nacionalização do comércio, entre outras medidas;
- Revolução de 1932 ou Guerra Paulista: movimento armado ocorrido no estado de São Paulo, entre 9 de julho e 4 de outubro de 1932, que tinha por objetivo derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas.
Alguns territórios brasileiros foram conquistados, outros foram comprados ou cedidos. Nomes como Alexandre de Gusmão, considerado o avô dos diplomatas brasileiros, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, e Ruy Barbosa contribuíram para a consolidação das nossas fronteiras.
Graças à ação diplomática de Alexandre de Gusmão, os atuais estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso, bem como a imensa zona compreendida entre o Alto-Paraguai, o rio Guaporé, o rio Madeira, o rio Tapajós e o rio Tocantins, regiões na época desabitadas, foram cedidos a Portugal pela Espanha, por meio do Tratado de Madrid, assinado em 13 de janeiro de 1750. Em troca, Portugal cedeu à Espanha a Colônia do Sacramento e abriu mão de suas pretensões no estuário do Rio da Prata. Como consequência, também houve a revogação do Tratado de Tordesilhas, a consagração do princípio do uti possidetis (quem tem a posse tem o domínio), a posse para Portugal de grande parte da atual área da Amazônia brasileira e a definição do rio Uruguai como fronteira oeste do Brasil com a Argentina.
Em 1900, e com a participação do Barão do Rio Branco, a Comissão de Arbitragem em Genebra, na Suíça, concedeu a posse de terras que estavam sendo disputadas com a França. Essas terras foram incorporadas ao estado do Pará com o nome de Araguari e, por razões estratégicas e de desenvolvimento econômico, foram desmembradas em 13 de setembro de 1943, constituindo o território federal do Amapá. Três anos depois, por meio do Tratado de Petrópolis, de 17 de novembro de 1903, e do Barão do Rio Branco, o Brasil adquiriu da Bolívia, por 2 milhões de libras esterlinas, terras do atual estado do Acre, fazendo também pequenas concessões de terras no estado do Mato Grosso e comprometendo-se a construir uma ferrovia ligando os dois países, a Madeira-Mamoré.
As áreas dos atuais estados de Roraima, Rondônia e Paraná também foram objeto de disputas, nem sempre favoráveis ao Brasil. Em 1904, por exemplo, houve uma disputa territorial com a Inglaterra e, por meio da arbitragem do rei italiano Vítor Manuel II, o Brasil perdeu a maior parte das terras da região do Pirara, pequeno afluente do rio Maú, em Roraima, incorporadas à Guiana Inglesa. Com a promulgação da Constituição brasileira de 1988, o Acre, o Amapá, Rondônia e Roraima foram elevados à categoria de estado.
Por razões políticas e econômicas, ocorreram também divisões dos estados do Mato Grosso e de Goiás, criando-se o Mato Grosso do Sul e o Tocantins (veja box abaixo). Um trabalho realizado pelo Núcleo de Estudos sobre Cooperação e Conflitos Internacionais, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), ilustra essas sucessivas mudanças. Ainda que dividido em 26 estados e um distrito federal, podendo chegar a um desmembramento mais expressivo, dependendo dos projetos que tramitam no Congresso, cinco séculos depois, o Brasil é bem maior do que quando Cabral aqui chegou.
Um exemplo de divisão para crescer
"A criação do estado do Tocantins concretizou um projeto de autonomia que expressava as necessidades de desenvolvimento econômico e de organização político-administrativas de seu território, representando as falas de gerações que, desde o século XIX, lutavam para ter um território desmembrado de Goiás", afirma Eliseu Pereira de Brito, professor da Universidade Federal do Tocantins. Com efeito, em 1821, a Comarca do Norte, criada em 1809, proclamou a sua autonomia político-administrativa, instaurando um governo independente da Comarca do Sul e que durou até 1824. Segundo Brito, a forma do pagamento dos tributos, para evitar o contrabando do ouro, foi a causa dessa iniciativa, pois onerava o norte em detrimento do sul de Goiás. Esse processo desencadeou uma crise que já durava mais de 50 anos. Eliseu de Brito afirma que o ouro foi uma fonte de atraso do norte de Goiás, porque no auge de sua mineração, a navegação foi interrompida e isolou a região. "Quem iniciou o movimento de luta pró Tocantins foram os curraleiros e não os mineradores do ouro", conta. A região era isolada e mergulhada em crise. Por isso, um crescimento ainda que pequeno é representativo para o estado. Segundo ele, a divisão também beneficiou Goiás, pois as dívidas internas e externas do estado foram assumidas pela União, que, sem a região pobre, teve sua renda per capita aumentada. "Para o Tocantins, com os investimentos federais, houve um aumento significativo da sua renda per capita", explica. Cabe destacar que desde 1953, o norte goiano faz parte da Amazônia Legal. Usufrui de recursos do Banco da Amazônia (Basa) e é alvo de programas específicos de desenvolvimento, sob coordenação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Assim, mesmo com a divisão de Goiás, o estado do Tocantins continuou pertencendo à Amazônia Legal e não compromete a repartição do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), que é dividido entre o Distrito Federal e os estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.