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ComCiência
On-line version ISSN 1519-7654
ComCiência no.130 Campinas 2011
ARTIGO
Mister Uni e o Ano Internacional da Química
Por Grace Kelli Pereira
Mister Uni? Quem é Mister Uni?
Para uns o Mister Uni é um extra-terrestre, para outros é o diabo. Há também quem diga que o Mister Uni é Deus. Para as crianças o Mister Uni é simplesmente um "carinha legal", um amigo, uma estrela. Na verdade, o Mister Uni é uma representação do universo que virou o personagem principal de uma história de ficção científica escrita para crianças: Mister Uni e o incrível mundo microscópico. Nessa história o Mister Uni leva as crianças para dentro do mundo microscópico, um mundo que existe dentro do nosso mundo e que não podemos ver, o mundo das partículas, dos elementos químicos e das moléculas. O livro pode ser lido no site www.misteruni.com.br.
Desde que começamos a sonhar em escrever um livro de química para crianças cansamos de escutar frases que tentavam nos demonstrar que a ideia era absurda. Apesar de todos concordarem que as crianças são curiosas por natureza poucos acreditavam que fosse possível fazer um livro com conteúdo químico que fosse didático e, ao mesmo tempo, divertido e interessante. Divulgar temas de ciências para crianças é um desafio constante, pois comunicar tópicos complicados em uma linguagem simples não é fácil. Um autor de livro de ciências para crianças deve ter algum tipo de formação científica. No caso do Mister Uni acredito que o sucesso do livro se deve principalmente a interdisciplinaridade da química associada à psicologia. Nós unimos o conteúdo químico com as teorias de aprendizagem e desenvolvimento infantil e adicionamos uma boa dose de criatividade para tornar a história emocionante e divertida.
E, como não poderia deixar de ser, antes de divulgar ou publicar uma obra de literatura escrita para o público infantil, realizamos todos os testes necessários: testamos primeiro, é claro, com os filhos dos nossos amigos, depois testamos em salas de aula (tanto de escola pública como particular) e, como somos muito criteriosas, testamos também em evento público (na praça), para avaliar o interesse das crianças longe do ambiente escolar. Desses testes constatamos que a linguagem e as ilustrações do livro são adequadas e o enredo da história pode ser compreendido facilmente. De certa maneira eu já sabia que o livro iria agradar as crianças porque é "interessante, divertido e emocionante" (depoimentos das próprias crianças), mas a forma como algumas crianças compreenderam o conteúdo, isso me surpreendeu, pois no método que utilizamos para testar o livro nós não demos nenhum tipo de explicação, desenvolvemos o conteúdo em somente três atividades (em dias diferentes e normalmente atividades em grupo) e houve depoimentos do tipo: "Então quer dizer que essa mesa também é feita de partículas?", "Se as partículas estão dentro de mim, elas podem causar alguma doença?", "Eu queria muito saber como é dentro do sol.", "De onde vem o ferro?", "Uma molécula é um pedaço da coisa, é o que tem dentro das coisas". "Moléculas são pequenos seres do mundo microscópico que juntas formam qualquer coisa". Outro fato que me surpreendeu foi a aceitação do livro pelas professoras. Normalmente a palavra "química" assusta, e eu imaginava encontrar uma resistência maior. No entanto, as professoras consideraram o livro adequado e viável para utilização em sala de aula e se sentiram aptas para responder eventuais perguntas que surgissem após as atividades. O que mais aprendi nas escolas foi que as crianças são muito exigentes e que é preciso deixar sempre muito claro os objetivos em qualquer atividade que façamos.
Da experiência na praça verificamos o mesmo grau de interesse observado nas escolas durante a leitura do livro. Cabe ressaltar que para esse evento projetamos o livro no telão dentro de uma tenda, como um cineminha. Decoramos a tenda com modelos de moléculas criando um ambiente envolvente, um mundo microscópico. Percebemos que isso é bastante importante, associar conteúdo, forma e estética! O fato mais interessante nesse evento foi a resposta de crianças que ainda não estavam alfabetizadas (de 5 ou 6 anos de idade). Como essas crianças não sabiam ler, a monitora fez a leitura do livro em voz alta. Essas crianças não levantaram do lugar durante toda a apresentação do livro, mantiveram o interesse até o fim e algumas pediram para ver o livro mais de uma vez. Elas ficaram completamente absorvidas pela atmosfera que criamos dentro da tenda.
Com relação aos adultos, apesar de serem convidados para lerem o livro, eles não demonstraram muito interesse, alguns pais chegaram ao ponto de não deixar os filhos lerem o livro, mesmo sendo de graça. Outros pais já incentivaram os seus filhos. Somente um adulto leu o livro, a Silvana, educadora infantil (alfabetização). Segundo Silvana: "A proposta de vocês é muito bacana devido à ludicidade que o livro apresenta. Eu penso que através desse contexto, trabalhando em doses homeopáticas ludicamente com as crianças, quando chegar lá no colegial ou na oitava série eles não vão ter tanta dificuldade como eu tive". Outros adultos também deram depoimentos semelhantes: "Se eu tivesse tido algo assim quando criança talvez eu até gostasse de química". E de fato, a química como matéria começa a ser ministrada normalmente no ensino médio. Antes disso, ela é minimamente englobada na matéria ciências onde os temas campeões são os de biologia. O que acontece então é que, de repente, o adolescente se depara com essa tal de química, um monte de fórmulas, tabelas e conceitos complicados que ele acaba tendo que decorar.
Mister Uni -Novos rumos
Os testes do livro Mister Uni e o incrível mundo microscópico nas escolas e na praça superaram todas as nossas expectativas e decidimos continuar o projeto, focando principalmente eventos públicos, onde temos a oportunidade de abordar crianças de todas as faixas etárias e também o adulto. Nosso principal objetivo é popularizar e desmistificar a química, além de incentivar a leitura. Nosso método se baseia no lúdico. Não damos nenhum tipo de explicação, a menos que a criança pergunte. Trabalhamos o conteúdo do livro (partículas, elementos químicos e moléculas) através de brincadeiras e oficinas interativas e sempre que possível desenvolvemos atividades em grupo para dar a chance das crianças aprimorarem suas relações interpessoais. Usamos textos com linguagem simples e objetiva e nos preocupamos muito com a forma e a estética.
Seguindo esse caminho participamos do evento Recreança 2010 realizado pelo Sesi-Bauru em comemoração ao dia da criança. Mais de 3500 pessoas compareceram ao evento e cerca de 80 crianças e adolescentes leram o livro projetado no telão dentro da mesma tenda mencionada anteriormente. Elas também participaram da brincadeira no Transmuter (máquina de fazer elementos químicos e personagem do livro) fazendo o elemento químico lítio. "Eu sabia que o celular funcionava com bateria, mas não sabia que tinha lítio dentro dela", comenta uma das crianças. O interessante dessa brincadeira é que relacionamos 'Quem sou, Onde estou!' Assim, além da criança fazer o elemento químico no Transmuter a partir das partículas (prótons, nêutrons e elétrons) ela também aprende onde aquele elemento está presente no nosso cotidiano.
Várias crianças e adolescentes leram o livro e brincaram no Transmuter mais de uma vez. Fizemos também um trabalho junto aos pais das crianças pequenas, não alfabetizadas, incentivando que os mesmos lessem o livro junto com seus filhos e muitos o fizeram.
Ano Internacional da Química
Qual a relação do projeto Mister Uni com o Ano Internacional da Química, conforme proposto no título deste artigo? Como muitos leitores já devem saber, este ano, 2011, foi decretado o Ano Internacional da Química (AIQ 2011), o primeiro da história. O AIQ surgiu de uma proposta apresentada pela Etiópia durante a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) realizada em dezembro de 2008. A coordenação dos trabalhos de divulgação foi delegada à Organização Educacional, Científica e Cultural da ONU (Unesco) e à União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC). 2011 foi escolhido por marcar o centenário de entrega do Prêmio Nobel de Química a Marie Curie, a primeira mulher a receber essa honraria. Na verdade esse foi o segundo prêmio Nobel de Madame Curie. O primeiro Nobel concedido à polonesa foi o de Física, em 1903 (dividido com o marido Pierre Curie e Henri Becquerel).
Assim, 2011 é um ano muito especial para a química, especialmente para nós que trabalhamos com a divulgação dessa ciência, tão pouco compreendida e amada! Para mim, a química é tão intrínseca à vida que me parece redundância ter que dizer que ela está presente em tudo o que nos cerca. Mas o fato é que a maioria das pessoas desconhece o quanto a química faz parte do nosso cotidiano e de nós mesmos, e o quanto ela é importante para os avanços tecnológicos e a qualidade de vida em nosso planeta. A química desempenha um papel importantíssimo na solução dos maiores desafios do mundo, como energia, desenvolvimento sustentável, saúde humana, segurança alimentar etc.
No AIQ 2011 países do mundo todo estão se mobilizando ao redor de um objetivo comum: popularizar e desmistificar a química, mostrar que não é algo tão obscuro e perigoso como muitos acreditam, e mostrar que ela pode ser utilizada para tornar o mundo melhor. Para isso, atividades educacionais interativas de grande alcance público estão sendo realizadas por empresas e entidades da área. No Brasil, as comemorações pelo AIQ 2011 estão sendo coordenadas pela Sociedade Brasileira de Química (SBQ) em parceria com o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), o Ministério da Educação e Cultura (MEC), além do apoio e colaboração de outras entidades de classe e empresariais.
Portanto, como o leitor pode perceber, o projeto Mister Uni vem de encontro aos objetivos do AIQ 2011: popularizar e desmistificar a química, além de despertar a curiosidade e o interesse dos jovens por essa ciência. Pensamos então que a melhor maneira de comemorar o Ano Internacional da Química seria realizar eventos gratuitos em locais públicos (praças ou parques) e fazer uma grande "Festa no Universo" onde as crianças pudessem participar de várias brincadeiras e oficinas e ganhar de presente o livro Mister Uni e o incrível mundo microscópico editado na versão lúdica "para colorir". Para isso, contamos com o apoio da SBQ para a divulgação e com o patrocínio de empresas privadas para a infraestrutura e a doação dos livros nos eventos. Nossa meta é percorrer algumas cidades do estado de São Paulo e doar 500 livros até o final de 2011.
Sabemos que será um desafio! Será que as pessoas sairão de suas casas para ir a um evento onde a palavra química está envolvida? Como já dito anteriormente sabemos que a química não tem uma boa imagem perante a sociedade, mas a nossa missão é mostrar que a química pode ser legal e divertida! E mostrar que sim! é possível escrever e divulgar química para o público infantil.
A primeira "Festa no Universo" acontecerá dia 17 de julho na Praça Cruzeiro do Sul na cidade de Bauru, cidade onde o Mister Uni nasceu! E temos o prazer de convidá-lo para participar. Além do livro no telão (cineminha) e a brincadeira no Transmuter (onde iremos abordar os elementos químicos hélio, oxigênio e nitrogênio) teremos também: oficina de moléculas (as crianças construirão moléculas de água e aprenderão o que acontece com as mesmas no estado sólido, líquido e gasoso); oficina de reciclagem; oficina de arte e atrações de circo para completar a festa.
Grace Kelli Pereira é química e especialista em jornalismo científico. É idealizadora e executora do livro e do projeto Mister Uni, em parceria com a psicóloga Nila Mara Pereira.