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ComCiência

On-line version ISSN 1519-7654

ComCiência  no.129 Campinas  2011

 

REPORTAGEM

 

FAPs incrementam pesquisa e inovação e se unem em parcerias

 

 

Carolina Ramos

 

 

Os ouriços da castanha do Pará estão sendo transformados em cerâmica vegetal e gerando emprego e renda na interior amazonense. O empreendedorismo por trás disso tem sua origem na pesquisa acadêmica e foi viabilizado graças ao apoio de uma das fundações de amparo à pesquisa (FAPs) do país. Os ouriços - cuja aparência lembra a do coco e que, no seu interior, guardam as amêndoas conhecidas como castanha do Pará - são frutos da castanheira do Brasil (Berthollettia excelsa). Com seus quase 50 metros de altura, essa árvore ganha apropriadamente o título de uma das maiores da Amazônia. Do chão das florestas onde são encontrados em abundância, os ouriços são colhidos para serem triturados e transformados em pastilhas que, por sua vez, formam peças apropriadas especialmente para revestir e decorar ambientes internos.

Esse uso para o ouriço foi descoberto a partir da pesquisa que o engenheiro agrônomo Aguimar Vasconcelos Simões desenvolveu em seu mestrado em sistemas agroflorestais. O estudo consistiu no teste da adoção de práticas de manejo da castanha por parte dos extrativistas, de forma a evitar a contaminação das amêndoas por aflatoxina, toxina produzida por fungos do gênero Aspergillus. Se ingerida em grande quantidade, essa substância pode causar câncer no fígado humano. "A pesquisa verificou que a contaminação podia ocorrer ainda na floresta e que os ouriços concentravam a maior predominância dos fungos, que passavam para a amêndoa", explica Simões.

Para evitar a contaminação, ele e sua equipe elaboraram o programa "Boas práticas do manejo da castanha do Brasil". Uma das etapas desse plano, baseado em técnicas validadas cientificamente, é a coleta dos ouriços de forma a impedir a proliferação dos fungos para a castanha. A partir desse estudo, Aguimar vislumbrou o potencial do ouriço ser usado não apenas em pequena escala, como ocorre com os artesanatos convencionais, mas também em processos fabris.

Foi dessa forma que nasceu a Revestimentos da Amazônia, marca comercial da cerâmica vegetal desenvolvida pela empresa Agrocon Indústria e Serviços Agroambientais, com sede em Manaus (AM), e da qual Simões é sócio administrador. A empresa trabalha em parceria com comunidades extrativistas de três municípios do interior do Amazonas: Novo Aripuanã, Amaturá e Tefé. De acordo com Aguimar, a renda dos produtores, depois da parceria com a empresa, foi incrementada em 50% quando comparada ao ganho que tinham com outros compradores. O valor pago por 100 quilos da amêndoa passou de R$ 60,00 para R$ 90,00.

Mas não é só a partir do ouriço da castanha que a cerâmica vegetal é produzida: outros recursos florestais não-madeireiros, a exemplo das sementes das frutas açaí e tucumã, também são utilizados.

O projeto para desenvolver a cerâmica vegetal, denominado "Utilização de matérias primas amazônicas para a produção de placas decorativas para revestimentos", foi financiado pelo Programa Amazonas de Apoio à Pesquisa em Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pappe), com subvenção da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep/Amazonas) e gerido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam). A contribuição de R$ 198 mil se somou aos R$ 60 mil de capital inicial da própria empresa. A Agrocon é uma das 54 empresas beneficiadas pelo Pappe que, entre 2003 e 2010, investiu cerca de R$ 8 milhões em pesquisas voltadas ao setor produtivo no estado, principalmente em estudos na área de fitofármacos, cosméticos, pesca e alimentos.

Transformar conhecimento em produto, a exemplo da conversão do ouriço da castanha em cerâmica vegetal, é um dos maiores desafios do sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) no Amazonas, de acordo com o professor Odenildo Sena, ex-diretor presidente da Fapeam e, atualmente, à frente da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia do Amazonas e do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti).

Apenas recentemente, no Norte do país - e em outras regiões, como o Nordeste e Centro-Oeste -, o setor de CT&I começou a ser mais encorpado, principalmente, com a criação das fundações estaduais de amparo à pesquisa. A Fapeam, por exemplo, só tem oito anos e foi a primeira FAP da região Norte. "Nosso sonho é ser a Fapesp quando crescermos", brinca o professor Sena, aludindo à congênere paulista, quase cinquentenária - a primeira FAP do Brasil -, e seu trabalho de fomento à pesquisa realizado nesse período.

"Nossas carências são tão grandes que temos que investir em tudo", avalia Sena. Para ilustrar, ele cita a necessidade de formação de engenheiros nas mais diversas áreas, especialmente engenheiros navais. "Na região amazônica, os rios equivalem às estradas do Sul e Sudeste do Brasil. Precisamos desenvolver conhecimento para esse setor". De acordo com ele, a região já avançou na instalação de algumas competências em áreas como ciências biológicas e biotecnologia, graças, principalmente, ao desempenho do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) - que completa 50 anos de atuação em 2012 - e às universidades federal e estaduais. "Mas temos um longo caminho a percorrer ainda", completa. Apesar dos problemas, Sena reforça o desempenho da Fapeam em oito anos: foram concedidas 600 bolsas de doutorado, nesse período, e 196 dos bolsistas são titulados (com tese já defendida). "Isso considerando que são quatro anos, no mínimo, para formar um doutor. É um grande salto", comenta. "Fora a publicação de editais e o desenvolvimento de programas de apoio à graduação e de estímulo a professores de níveis fundamental e médio, entre outras ações", enumera.

Todo esse esforço, na opinião de Sena, é necessário para a formação de pesquisadores locais. O estímulo das fundações, então, é fundamental para torná-los mais competitivos. O resultado é a formação de pesquisadores fortalecidos, com porte para se candidatar aos editais nacionais que também são objeto de desejo dos pesquisadores das regiões Sul e Sudeste, veteranas em pesquisa e inovação. "Melhor qualificados, eles se associam a outros pesquisadores, começam a consolidar experiência e, consequentemente, atuar em cursos de pós-graduação. Dessa forma, a dependência de formar profissionais fora do estado é reduzida".

Transferência de conhecimento

Se, por um lado, o desenvolvimento da ciência deve passar, necessariamente, pelo ciclo completo, começando pela pesquisa básica, ele não pode dispensar a realização de projetos de inovação tecnológica em empresas do setor produtivo. Essa é a opinião de Anilton Salles Garcia, diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes), ainda com menos tempo de existência do que a Fapeam: tem seis anos.

"O apoio a projetos no setor produtivo colabora, em primeiro lugar, com o aumento da competitividade das empresas locais; em segundo, privilegia a capacitação de mão de obra e a fixação de recursos humanos no estado; e, indiretamente, colabora com o aumento da receita do estado", avalia Garcia. Ele destaca, entre os programas da Fapes, aquele cujo objetivo é o desenvolvimento da inovação tecnológica. "É a transferência do conhecimento da pesquisa de bancada para o mercado". De acordo com ele, estão em curso, atualmente, oito projetos de inovação tecnológica.

A Fapes começou a operar em 2006 e sua principal fonte de receita vem do Fundo Estadual de Ciência e Tecnologia, que destina 0,5% do Imposto sobre Circulação da Mercadoria (ICMS) líquido, ou cerca de R$ 27 milhões por ano, para a fundação. Outras fontes de recursos financeiros, também estaduais, totalizam uma receita de aproximadamente R$ 50 milhões estimada para 2011. "É muito para o Espírito Santo, considerando o pouco tempo de existência da sua fundação de amparo à pesquisa. Mas é pouco frente às demandas do estado", avalia Garcia. Entre elas, o diretor-presidente destaca as relacionadas ao setor produtivo, as áreas de logística, meio ambiente e as que compõem a cadeia de petróleo e gás, devido à atuação da Petrobras no Espírito Santo.

O sistema de ciência e tecnologia no estado capixaba ainda está em formação: conta apenas com uma universidade federal e não há nenhuma estadual. O resultado, portanto, é o baixo número de profissionais qualificados. Esse cenário começa a mudar com a atuação da Fapes, responsável, de acordo com Garcia, pela concessão de 1/3 do total das bolsas de pesquisa, que, para mestrado e doutorado, totalizam 150.

Para minimizar o impacto negativo dos baixos valores das bolsas - que seguem o padrão do CNPq -, a Fapes concede uma série de apoios aos bolsistas. Os mestrandos, por exemplo, cuja bolsa é de R$ 1.200 por mês, recebem mais R$ 7 mil no decorrer do desenvolvimento do seu projeto, investidos na realização de trabalhos de campo ou de experimentos laboratoriais. Outro caso é o dos pesquisadores - doutores formados há menos de dez anos - que fazem parte do programa Primeiro Projetos. Eles recebem R$ 35 mil para que possam montar uma infraestrutura inicial mínima para o desenvolvimento da sua pesquisa. "A idéia básica é proporcionar a esse pesquisador condições para que possa se inserir o mais rápido possível no contexto de produtividade em pesquisa, desenvolvimento ou inovação na sua instituição", explica o diretor-presidente da Fapes.

Pesquisa em rede

O compartilhamento de conhecimentos em redes de pesquisadores é uma outra ação colocada em prática pelas FAPs como estratégia de estímulo ao desenvolvimento de pesquisas. Exemplo nesse sentido são as redes de fomento à pesquisa em saúde que estudam três graves enfermidades que atingem os brasileiros: a dengue, a malária e a tuberculose.

No mapa brasileiro da dengue, lançado pelo Ministério da Saúde no início deste ano, são 16 os estados com alto risco de enfrentar epidemia em 2011: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins. Só o Amazonas, no primeiro trimestre deste ano, registrou quase 37 mil notificações da doença, com 407 casos graves e 12 óbitos. Quase 80% das notificações foram registradas em Manaus, o município com maior número de casos no país.

Pesquisadores apoiados por 20 fundações de amparo à pesquisa, incluindo 15 que atuam em estados com alto risco de enfrentar uma epidemia da doença, formam a Rede Dengue, que conta com recursos da ordem de R$ 22,7 milhões. Desse total, R$ 12,7 milhões partem das FAPs, e o restante, do Fundo Nacional de Saúde (FNS) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Um dos 15 projetos aprovados pela rede é o "Estudo da dengue nas regiões Norte e Sudeste do Brasil: criação de uma rede interdisciplinar de pesquisa básica e aplicada", que envolve 40 pesquisadores no estudo da dengue em seus aspectos clínicos, epidemiológicos, laboratoriais e de prevenção. A ideia é formar recursos humanos, além de fomentar a pesquisa interdisciplinar básica e aplicada e a transferência de tecnologia.

Duas outras redes de pesquisadores estão envolvidas com estudos relativos à malária - cujo maior número de casos está concentrado na Amazônia Legal - e à tuberculose. A primeira congrega especialistas apoiados por sete FAPs e conta com recursos de R$ 15,4 milhões, destinados pelas próprias fundações, pelo FNS e pelo CNPq, para apoiar atividades de pesquisa científica, tecnológica e de inovação, a exemplo do projeto que estuda a dinâmica de transmissão da malária no ambiente amazônico e as perspectivas de novas tecnologias para seu controle. Já a segunda rede recebe o nome de Programa Temático em Diagnóstico de Tuberculose e reúne as fundações do Amazonas, Rio de Janeiro e Minas Gerais (os dois primeiros estados têm, respectivamente, 68,93 e 66,56 casos da doença para cada 100 mil habitantes). Nesse programa, são destinados R$ 6 milhões - R$ 2 milhões de cada uma das fundações - para desenvolver pesquisas colaborativas em diagnóstico da doença.