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ComCiência
On-line version ISSN 1519-7654
ComCiência no.126 Campinas Mar. 2011
EDITORIAL
Classificar, descrever, explicar
Carlos Vogt
Todo sistema teórico é, pelo menos, um princípio de classificação, quando não um princípio de explicação. Por isso, dizia Saussure que a língua -objeto teórico da linguística -é um todo em si mesmo e um princípio de classificação.
Desse modo, o objeto da ciência é sempre um objeto da teoria científica que o cria para nele simular os fenômenos que, tornados discretos, podem ser descritos, classificados e mesmo previstos, dependendo do modelo e da metodologia da representação.
Os sistemas classificatórios, as taxonomias, as categorizações têm uma longa tradição na história do conhecimento e no esforço humano de representá-lo e de apresentá-lo em sociedade.
A classificação das coisas do mundo e o mundo das coisas classificadas estabelecem, no transcorrer da história das culturas, os padrões das mudanças nas nossas capacidades mentais e tecnológicas de ordenar, desordenar, reordenar fenômenos dos quais nos aproximamos, ou nos distanciamos, em compreensão e entendimento, pela maior ou menor consistência lógica interna do modelo de representação e por sua maior ou menor capacidade de absorver em descrição e em explicação um número cada vez maior de fenômenos, com probabilidade muito pequena de que possam surgir casos que escapem ao alcance e abrangência dessa capacidade.
Como esses casos existem ou existirão, a construção do objeto teórico da ciência deve prever também a sua falibilidade, isto é, a sua falseabilidade e, desse modo, estar preparada para a dinâmica de suas mudanças.
O caso dos manuais de diagnóstico das doenças e de suas classificações é, nesse sentido, exemplar no que diz respeito a esse processo, de um lado pelo cansaço das categorias estabelecidas, de outro, pelo vigor do conhecimento novo que impõe a necessidade de suas alterações.
Os capítulos neles dedicados aos distúrbios mentais acrescem ainda essa dinâmica com o fato de que as categorias aí estabelecidas, muitas vezes por força dos componentes de descritividade dos sintomas ou dos comportamentos, trazem, no processo de sua constituição, graus variados de subjetividade e variações significativas de ordem cultural. Daí as revisões constantes, as pesquisas sistemáticas e as edições periódicas dessas classificações, modificadas e atualizadas.
É ao tema da "Classificação dos distúrbios mentais" que está dedicado este número da ComCiência, buscando apresentar ao leitor, além dos aspectos epistemológicos da questão, as implicações políticas, econômicas e culturais de suas aplicações na regulação da vida das pessoas e no ordenamento dos valores que regem o seu comportamento em sociedade.