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ComCiência
versão On-line ISSN 1519-7654
ComCiência n.100 Campinas 2008
ARTIGO
Divulgação científica: considerações sobre o presente momento
Luisa Massarani
Nesta edição, comemoramos o número 100 de ComCiência (que tenha muitos anos de vida!). A revista - de grande mérito - faz parte de um processo nacional de efervescência da divulgação científica no Brasil que se iniciou na década de 1980. Como parte desse processo, novas iniciativas vêm sendo criadas no país, nas quais se utilizam distintas ferramentas e meios (embora no caso de TV, revistas e jornais, por vezes tal crescimento não seja tão grande quanto desejado).
Especialmente a partir dos anos 1990, observamos, por exemplo, a criação de diversos museus e centros de ciência, de portes variados: no último cômputo feito pela Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência, pelo Museu da Vida/Fiocruz e pela Casa da Ciência/UFRJ, registram-se cerca de 110, mas já sabemos que o número atual é maior - ainda que com grande concentração em grandes cidades e nas regiões Sul e Sudeste.
A Semana Nacional da Ciência e Tecnologia, criada em 2004, também tem colaborado para tal efervescência: sua quarta versão, realizada em 2007, mobilizou cerca de 1.400 instituições, entre universidades, institutos de pesquisa, centros tecnológicos e escolas, que realizaram aproximadamente 10.000 atividades em 420 cidades, incluindo atividades de rua, palestras, dias de portas abertas etc, segundo dados do Ministério da Ciência e Tecnologia. O governo federal tem injetado recursos na área, incluindo o lançamento de cerca de 15 editais ligados à popularização da ciência desde 2004; no último edital do CNPq, 1.232 projetos foram submetidos por instituições de todo o país. Estados como Amazonas, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo também criaram editais específicos para a área.
Historicamente no país, a divulgação científica era realizada por cientistas que se engajaram nessas iniciativas como uma atividade secundária - mas não menos importante, a exemplo do movimento que se deu na segunda metade do século 19 ou na década de 1920. Atualmente, o cenário começa a mudar um pouco de característica e novos profissionais surgem: o divulgador da ciência profissional (que tem a divulgação científica como sua atividade prioritária) e o pesquisador na área da divulgação científica. Utilizo o Museu da Vida, ao qual estou ligada, para ilustrar esse movimento: nos últimos dois concursos públicos, ofereceram-se diversas vagas para divulgadores da ciência com perfis distintos e criou-se um Núcleo de Estudos da Divulgação Científica.
No cenário nacional, uma busca no banco de teses e dissertações da Capes utilizando a palavra-chave "divulgação científica" identifica 171 teses e dissertações defendidas entre 1987 e 2006, das quais 50 referem-se à jornalismo científico1. Enquanto em 1987, o banco registra apenas uma dissertação, em 2006 foram defendidas 88 teses e dissertações na área.
Este é o momento, portanto, de pensarmos mais seriamente na área. Neste artigo buscarei destacar algumas ações que me parecem importantes que sejam tomadas, como parte desse crescimento e (necessário) amadurecimento na área.
Em primeiro lugar, precisamos conhecer melhor a produção prática e intelectual na área de divulgação científica no país, bem como produzir uma ponte sólida entre a prática e a pesquisa na área. Nesse sentido, para contribuir neste particular, nós, do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida nos unimos à Universidade Federal do Rio de Janeiro e à Universidade Federal de Minas Gerais, com apoio do CNPq e das revistas História, Ciências, Saúde - Manguinhos e da Sociedade Brasileira de História da Ciência, e estamos criando um site, nos qual buscamos mapear aspectos históricos e contemporâneos da divulgação científica brasileira. Projeto certamente ambicioso para o qual esperamos contar com a colaboração de todos. Com caráter prático e acadêmico, o site abrigará referências incluindo artigos científicos, dissertações e teses produzidos na área de divulgação científica nacional.
Em segundo lugar, uma análise (ainda superficial) do banco da Capes mostra uma grande diversidade no que se refere aos estados, instituições e departamentos de origem das teses e dissertações em divulgação científica. Por um lado, isso é positivo visto que expressa a diversidade real existente e o caráter multidisciplinar da área. Por outro lado, sem prejuízo das iniciativas existentes, alerta para a necessidade de haver mais cursos de especialização, mestrado e doutorado no país. O Labjor, com seu curso de jornalismo científico, é um exemplo de destaque que evidencia a importância desse tipo de iniciativa. Mas precisamos ter mais desses cursos no país, com disciplinas, atividades práticas, orientadores e um espaço para reunir cientistas, jornalistas, artistas, educadores e demais perfis em torno da divulgação científica.
Precisamos criar cursos de curta duração na área. Há diversas iniciativas na área, que focam em distintos aspectos da divulgação científica, por exemplo, em museus e centros de ciência e em jornalismo científico. No entanto, precisamos ter iniciativas mais sistemáticas nesse sentido, em distintas regiões do país, e criar espaços para os diferentes grupos poderem compartilhar experiências.
Um outro aspecto se refere à maior valorização das atividades de divulgação científica no âmbito acadêmico, com reconhecimento dessa área no currículo Lattes e nas avaliações realizadas em universidades e instituições de pesquisa. Nessa linha, parece-me fundamental que revistas chave na área, de reconhecimento internacional e de grande impacto, sejam efetivamente incorporadas no Qualis da Capes, com escore A, como a Public Understanding of Science, a Science Communication e o Journal of Science Communication. Consolidar outras revistas acadêmicas na área também certamente será um passo fundamental para o reconhecimento e amadurecimento da área. A manutenção do comitê de divulgação científica no CNPq e a criação de comitês semelhantes na Capes e nas FAPs é outro passo fundamental.
Por fim, mas não menos importante, precisamos refletir mais sobre o que significa fazer divulgação no Brasil e como torná-la efetivamente relevante e instigante dentro do contexto brasileiro.
Luisa Massarani é jornalista especializada em ciência. Coordenadora do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica / Museu da Vida / Casa de Oswaldo Cruz / Fundação Oswaldo Cruz e coordenadora de SciDev.Net / América Latina e Caribe, e-mail: nestudos@fiocruz.br.
Notas
1 Busca realizada no site da Capes em 29 de junho de 2008