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ComCiência

On-line version ISSN 1519-7654

ComCiência  no.164 Campinas Dec. 2014

 

ARTIGO

 

Prêmio Nobel da Economia

 

 

Nuno Valério

 

 

O que é habitualmente denominado Prêmio Nobel da Economia foi criado em 1968 pelo Banco Central da Suécia, em comemoração do seu terceiro centenário e em homenagem à memória de Alfred Nobel. Entre 1969 e 2014, o Prêmio foi atribuído pela Academia das Ciências da Suécia a 75 personalidades, ligadas, quando da atribuição, a 59 instituições dos Estados Unidos, seis da Grã-Bretanha, duas da França, duas da Noruega, duas da Suécia, uma da Alemanha, uma de Israel, uma dos Países Baixos e uma da União Soviética. O predomínio dos Estados Unidos (quase 80% dos laureados) é esmagador, não deixando dúvidas quanto ao papel das instituições americanas na pesquisa em matérias da ciência econômica nas décadas recentes, o que é acentuado pelo número significativo de laureados nascidos em outros países, mas que receberam o prêmio quando trabalhavam em instituições americanas.

Os primeiros anos de atribuição do prêmio podem ser vistos como um reconhecimento dos principais avanços da ciência econômica no meio século que precedera a respectiva criação. Na verdade, as escolhas recaíram, sobretudo, em autores que tinham concebido novas metodologias de análise econômica, ou que mais tinham contribuído para o desenvolvimento de alguns ramos da ciência econômica durante esse período.

A primeira metodologia consagrada foi a econometria, isto é, a aplicação sistemática da estatística analítica na ciência econômica, através da atribuição do primeiro Prêmio Nobel da Economia em 1969 a Ragnar Frisch (Noruega, 1895-1973) e Jan Tinbergen (Países Baixos, 1903-1994). Bastante mais tarde, foi igualmente reconhecido o papel, neste campo, de Trygve Haavelmo (Noruega, 1911-1999, prêmio de 1989).

Seguiram-se:

A análise das relações intersetoriais, pela atribuição do prêmio de 1973 a Wassily Leontief (EUA, nascido na Rússia, 1906-1999).

As técnicas de otimização da afetação de recursos, pela atribuição do prêmio de 1975 a Leonid Kantorovich (União Soviética, 1912-1986) e Tjalling Koopmans (EUA, nascido nos Países Baixos, 1910-1985).

A contabilidade nacional, isto é, a medição dos níveis de atividade econômica e de satisfação de necessidades, pela atribuição do prêmio de 1984 a Richard Stone (Grã-Bretanha, 1913-1991).

No que respeita aos principais desenvolvimentos de ramos da ciência económica, há que referir:

O estudo do crescimento econômico, quer numa perspetiva predominantemente empírica, pela atribuição do prêmio de 1971 a Simon Kuznets (EUA, nascido na Rússia, 1901-1985), quer na perspectiva da análise da situação dos países menos desenvolvidos, por meio da atribuição do prêmio de 1979 a Theodore Schultz (EUA, 1902-1998) e Arthur Lewis (EUA, nascido nas Índias Ocidentais Britânicas, hoje Santa Lúcia, 1915-1991), quer na perspetiva predominantemente teórica, por meio da atribuição do prêmio de 1987 a Robert Solow (EUA, 1924).

A teoria microeconómica, isto é, a explicação de como uma economia de mercado funciona a partir da análise do comportamento dos agentes econômicos, quer na perspetiva do equilíbrio geral, por meio da atribuição do prêmio de 1972 a Kenneth Arrow (EUA, 1921) e do prêmio de 1983 a Gérard Debreu (EUA, nascido na França, 1921-2004), quer na perspetiva da teoria dos mercados, pelo prêmio de 1988 a Maurice Allais (França, 1911-2010).

A teoria do bem-estar, isto é, a análise da relação entre os mecanismos de mercado e a satisfação das necessidades dos seres humanos, por meio da atribuição do prêmio de 1972 a John Hicks (Grã-Bretanha, 1904-1989).

A teoria das flutuações econômicas, pelo prêmio de 1974 a Gunnar Myrdal (Suécia, 1898-1987) e Friedrich von Hayek (EUA, nascido na Áustria, 1899-1992).

A teoria da moeda, pela atribuição do prêmio de 1976 a Milton Friedman (EUA, 1912-2006) e, bastante mais tarde, do prêmio de 1999 a Robert Mundell (EUA, nascido no Canadá, 1932).

A teoria do comércio internacional, por meio da atribuição do prêmio de 1977 a Bertil Ohlin (Suécia, 1899-1979) e James Meade (Grã-Bretanha, 1907-1995).

Um caso especial é, sem dúvida, o de Paul Samuelson (EUA, 1915-2009), a quem foi atribuído o segundo Prêmio Nobel da Economia, em 1970. Na verdade, suas contribuições foram decisivas em campos muito variados, desde a metodologia sobre a teoria dos bens públicos, passando, entre outros, pelos domínios do comércio internacional, dos ciclos econômicos e do comportamento do consumidor, como reconheceu a Academia das Ciências da Suécia ao referir-se ao "trabalho científico através do qual desenvolveu a teoria econômica estática e dinâmica e contribuiu ativamente para elevar o nível de análise da ciência económica". Samuelson foi, além disso, autor do manual de ciência econômica mais difundido desde a Segunda Guerra Mundial.

A partir de finais da década de 1970, o perfil das atribuições do Prêmio Nobel da Economia começou a mudar gradualmente. Em primeiro lugar, por as atribuições contemplarem sobretudo contribuições mais recentes, apresentadas nas últimas décadas do século XX e princípios do século XXI. Em segundo lugar, por se distribuírem não só pelos tradicionais ramos da ciência ecoôómica e por algumas inovações metodológicas, mas também pelo estudo do funcionamento das organizações econômicas, nomeadamente das empresas, e pelo estudo dos mercados financeiros, estes com grande proeminência quantitativa.

O Prêmio Nobel da Economia foi pela primeira vez atribuído a uma contribuição no domínio do estudo do funcionamento das organizações econômicas em 1978, com Herbert Simon (EUA, 1916-2001). Bastante mais tarde veio o reconhecimento da contribuição de Oliver Williamson (EUA, 1932, prêmio de 2009).

O Prêmio Nobel da Economia foi pela primeira vez atribuído a uma contribuição no domínio do estudo dos mercados financeiros em 1981, com James Tobin (EUA, 1918-2002). Seguiram-se Franco Modigliani (EUA, nascido em Itália, 1918-2003, prêmio de 1985), Harry Markowitz (EUA, 1927, prêmio de 1990), Merton Miller (EUA, 1923-2000, prêmio de 1990), William Sharpe (EUA, 1934, prêmio de 1990), Robert Merton (EUA, 1944, prêmio de 1997), Myron Scholes (EUA, nascido no Canadá, 1941, prêmio de 1997), Eugene Fama (EUA, 1939, prêmio de 2013), Lars Peter Hansen (EUA, 1952, prêmio de 2013) e Robert Shiller (EUA, 1946, prêmio de 2013).

O estudo dos tradicionais ramos da ciência econômica foi fundamental para a atribuíção dos seguintes prêmios:

Pelo trabalho no domínio da teoria das flutuações econômicas, a Lawrence Klein (EUA, 1920-2013, prêmio de 1980), Finn Kydland (EUA, nascido na Noruega, 1943, prêmio de 2004) e Edward Prescott (EUA, 1940, prêmio de 2004).

Pelo trabalho no domínio das estruturas de mercado e da regulação pública, a George Stigler (EUA, 1911-1991, prêmio de 1982).

Pelo trabalho no domínio da macroeconomia, isto é, da explicação de como uma economia de mercado evolui, com base na análise de agregados obtidos estatisticamente pela contabilidade nacional, a Robert Lucas (EUA, 1937, prêmio de 1995), Edmund Phelps (EUA, 1933, prêmio de 2006), Thomas Sargent (EUA, 1943, prêmio de 2011) e Christopher Sims (EUA, 1942, prêmio de 2011).

Pelo trabalho no domínio da teoria dos incentivos e da informação assimétrica, a James Mirrlees (Grã-Bretanha, 1936, prêmio de 1996), William Vickrey (EUA, nascido no Canadá, 1914-1996, prêmio de 1996), George Akerlof (EUA, 1940, prêmio de 2001), Michael Spence (EUA, 1943, prêmio de 2001) e Joseph Stiglitz (EUA, 1943, prêmio de 2001).

Pelo trabalho no domínio da teoria do bem-estar, a Amartya Sen (Grã-Bretanha, nascido na Índia, 1933, prêmio de 1998).

Pelo trabalho no domínio da econometria, a James Heckman (EUA, 1944, prêmio de 2000), Daniel McFadden (EUA, 1937, prêmio de 2000), Robert Engle (EUA, 1942, prêmio de 2003) e Clive Granger (EUA, nascido na Grã-Bretanha, 1934-2009, prêmio de 2003).

Pelo trabalho no domínio da geografia econômica, isto é, da análise da localização das atividades económicas, a Paul Krugman (EUA, 1953, prêmio de 2008).

Pelo trabalho no domínio da análise dos bens coletivos, a Elinor Ostrom (EUA, 1933-2012, prêmio de 2009). (Note-se que Elinor Ostrom foi a primeira, e até hoje única, senhora laureada com um prêmio ainda quase exclusivamente atribuído a personalidades do sexo masculino.)

Pelo trabalho no domínio da teoria dos mercados, a Peter Diamond (EUA, 1940, prêmio de 2010), Dale Mortensen (EUA, 1939-2014, prêmio de 2010), Christopher Pissarides (Grã-Bretanha, nascido em Chipre, 1948, prêmio de 2010), Alvin Roth (EUA, 1951, prêmio de 2012), Lloyd Shapley (EUA, 1923, prêmio de 2012) e Jean Tirole (França, 1953, prêmio de 2014).

Algumas inovações metodológicas e explorações de novos domínios foram igualmente fundamentais para a atribuição de prêmios:

A análise das bases contratuais e constitucionais da teoria da decisão, com James Buchanan (EUA, 1919-2013, prêmio de 1986).

A análise da delimitação da empresa por meio da comparação dos custos de produção interna, ou custos de organização, com os custos de aquisição, ou custos de transação, e da base institucional dos direitos de propriedade por Ronald Coase (EUA, nascido na Grã-Bretanha, 1910-2013, prêmio de 1991).

A extensão das técnicas de análise da economia a comportamentos e fatos não econômicos por Gary Becker (EUA, 1930-2014, prêmio de 1992).

A aplicação das técnicas de análise da economia à história, especialmente à história econômica, por Robert Fogel (EUA, 1927-2013, prêmio de 1993) e Douglass North (EUA, 1920, prêmio de 1993).

A teoria dos jogos, esta, porventura, pela primeira vez de forma surpreendentemente tardia, com John Harsanyi (EUA, nascido na Hungria, 1920-2000, prêmio de 1994), John Nash (EUA, 1928, prêmio de 1994), Reinhard Selten (Alemanha, 1930, prêmio de 1994), Robert Aumann (Israel, nascido na Alemanha, 1930, prêmio de 2005) e Thomas Schelling (EUA, 1921, prêmio de 2005).

A economia experimental, isto é, o desenvolvimento da indução econômica com base, não em material histórico, como era tradicional, mas no desempenho de papéis por agentes econômicos em experiências laboratoriais, com Vernon Smith (EUA, 1924, prêmio de 2002).

O esforço de integração da pesquisa psicológica na análise econômica, dando origem à chamada economia comportamental, por Daniel Kahneman (EUA, nascido no mandato britânico da Palestina, hoje Israel, 1934, prêmio de 2002).

A teoria da conceção de mecanismos, com Leonid Hurwicz (EUA, nascido na Rússia, 1917, prêmio de 2007), Eric Maskin (EUA, 1950, prêmio de 2007) e Roger Myerson (EUA, 1951, prêmio de 2007).

É clara a diversidade de temas e abordagens reconhecidos na atribuição dos prêmios Nobel da Economia. Mas também é clara a sua orientação exclusiva para o que é habitualmente denominado a corrente principal da ciência econômica mainstream economics. Inversamente, poderá, porém, sugerir-se que é o reconhecimento, por meio de um Prêmio Nobel, que demarca o que é, ou não, a corrente principal da ciência econômica. Na verdade, se metodologias como a econometria e a teoria dos jogos, e abordagens como as habitualmente classificadas como neoclássicas, keynesianas e neokeynesianas (as quais, de uma forma muito simplificadora, se podem identificar como as abordagens do manual de Paul Samuelson anteriormente mencionado) foram alvo de reconhecimento quando já constituíam a corrente principal da ciência econômica, pode dizer-se que os prêmios atribuídos a autores associados a metodologias como a economia experimental e a abordagens habitualmente classificadas como monetaristas, da nova escola clássica e da escola neoaustríaca, contribuíram para a aceitação dessas metodologias e abordagens como parte da corrente principal da ciência econômica. Além disso, não deve ser deixada em claro a tendência para os campos de estudo dos laureados terem evoluído de um predomínio da macroeconomia para um predomínio da microeconomia, teoria das organizações e teoria dos mercados financeiros, mais um sinal das mudanças no interior da própria ciência econômica.

 

Nuno Valério é professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG - Universidade de Lisboa). Foi presidente da Associação Portuguesa de História Econômica e Social e da Associação Portuguesa de História das Relações Internacionais.