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ComCiência

versión On-line ISSN 1519-7654

ComCiência  no.154 Campinas dic. 2013

 

REPORTAGEM

 

Novas tecnologias, mercado editorial e padrão de leitura no Brasil

 

 

Carolina Medeiros

 

 

Mario Vargas Llosa escreveu que "um público comprometido com a leitura é crítico, rebelde, inquieto, pouco manipulável e não crê em lemas que alguns fazem passar por ideias" – essa é a introdução da obra Retratos do Brasil 3, livro elaborado a partir de pesquisas realizadas pelo Instituto Pró-Livro. Retratos não só apresenta os relevantes dados da realidade literária no país como faz uma análise dos índices obtidos. Em sua terceira edição, a pesquisa apontou que 50% da população se identifica como leitores assíduos. São 88,2 milhões de leitores, número, no entanto, 7,4 milhões menor do que o constatado na pesquisa em 2007.

O responsável pela queda não foi o preço, variável que ocupou a 13ᵃ posição dentre os motivos indicados pela falta de leitura. No topo da lista estão falta de interesse e falta de tempo (apontamento de 78% e 50% dos entrevistados, respectivamente). A boa notícia é que houve maior fidelização dos leitores: atualmente 49% deles leem com mais frequência, contra 40% de 2007.

Em geral, o valor da leitura ainda decorre muito mais da necessidade de busca e atualização de conhecimento do que outras motivações O jornalista e professor da PUC-Campinas Fabiano Ormaneze aponta que o brasileiro não foi educado a pensar que o livro é também um passatempo, muito em função da forma como é tratado na escola – ou seja, como uma obrigação, algo que vai cair na prova ou exigência para o vestibular. Assim, ele, evidentemente, não será tido como lazer. Em casa, o livro é colocado como obrigação, enquanto a televisão se apresenta como lazer. "Muitas vezes, ouvimos: depois de ler, você poderá assistir à televisão", afirma o professor. De acordo com a pesquisa, em 85% dos entrevistados afirmou preferir assistir televisão, e 52% ouvir música em seu tempo livre, em vez de ler um livro.

 

Crescimento no conteúdo digital

O mercado editorial vem passando por mudanças intensas nos últimos anos. Apesar de a consultoria PricewatherhouseCoopers (PwC) projetar no fim da década passada uma ligeira retração do mercado editorial global, isso não se verificou. Em sua última revisão, os dados dessa consultoria já apontam um crescimento médio anual de 1,9% para o mercado global de livros até 2015. Nos Estados Unidos, onde os e-books vêm tendo excelente desempenho de vendas, os dados da Association of American Publishers (AAP) indicam que em 2010 eles totalizaram US$ 878 milhões em vendas (3,1% de um total de US$ 27,94 bilhões de faturamento).

No caso da Europa, na avaliação do CEO do Penguim Group, John Makinson, a venda de livros impressos vem se reduzindo, mas o avanço dos e-books tem permitido a sustentação dos principais mercados. Por sua vez, Arnaud Norry – CEO da Hachette Livre – avalia que o mercado global não se retraiu e destacou o crescimento do mercado estadunidense nos últimos três anos.

No Brasil, o mercado editorial comercializou 470 milhões de exemplares e gerou receitas de R$ 6,2 bilhões, mas desse montante apenas cerca de R$ 900 mil são do comércio de conteúdo digital, fato corroborado pela pesquisa do Instituto Pró-Livro, que apontou que a aquisição de obras por meio das ferramentas da internet ficou em último lugar quando o assunto foi formas de acesso.

De todas as novas mídias, a internet é a mais bem vista pelos analistas, uma possível aliada para inserir o hábito de ler, afirma a socióloga Zoara Failla, organizadora e coordenadora do projeto do Instituto Pró-Livro. Isso porque ao mesmo tempo em que cresce significativamente o uso da internet, aumenta também o número de recursos que essa ferramenta disponibiliza. O e-book, a pesar de criticado por muitos pedagogos como substituto do livro em papel, tem vantagens como portabilidade e preço, já que devido à facilidade de divulgação e forma de produção custa menos que modelos impressos .

Essa inovação não consiste apenas na mudança para uma nova forma de apresentar o conteúdo, mas em uma transformação radical que reflete no processo de criação autoral, produção, publicação, distribuição e consumo, sem, entretanto, perda de força das editoras. De acordo com o Gustavo Mello, engenheiro do Departamento de Cultura, Entretenimento e Turismo da Área Industrial do BNDES que fez um extenso levantamento sobre o tema, as editoras continuarão a ser "gestoras e empacotadoras de conteúdo na forma de livros – impressos e digitais – e serviços, capazes de atender às demandas e necessidades do mercado consumidor. Em sua fase inicial, esse novo produto ainda se assemelha a uma simples cópia do livro impresso, digitalizada e exposta em monitores de diferentes tipos de equipamentos, como computadores, e-readers e tablets".

O formato digital traz ainda como vantagem o oferecimento de instrumentos de busca e consulta de informações complementares desenvolvidos no campo das tecnologias da informação e comunicação (TIC); o compartilhamento em redes; ou ainda dispositivos aplicados a games, que podem tornar muito mais atrativa a leitura para crianças e jovens.

Na realidade, como destacam os editores, não é difícil produzir um livro digital, particularmente quando se trata de uma versão em arquivo pdf (ou ePub), que reproduz como imagens as páginas de um livro impresso, mas de acordo com Mello, a dificuldade está na administração das mudanças requeridas pela produção em mais de um formato, pois requer outros profissionais com outras habilidades, em particular em tecnologias da informação e comunicação, o que demanda treinamentos, contratações e a administração dos conflitos naturais entre as novas e as tradicionais concepções do produto.

 

Mercado nacional

O Brasil é o nono maior mercado editorial do mundo, segundo estudo da Associação Internacional dos Editores (IPA, na sigla em inglês), tendo cerca de 500 editoras ativas. Vale lembrar também que o país é sede de importantes eventos que movimentam mais de R$ 30 milhões. Um é a cultuada Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que em sua 11ª edição reuniu 25 mil pessoas. A feira, que já homenageou autores como Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis e Oswaldo de Andrade, movimenta cerca R$ 10 milhões a cada edição. Outro evento literário de números grandiosos é a Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que em sua 22ª edição, foi visitada por 800 mil pessoas, gerando um rendimento de R$ 22,4 milhões.

O complexo cenário literário brasileiro foi recentemente assunto da revista Wallpaper em edição dedicada ao Brasil. Entre alguns assuntos mais previsíveis como modelos, Oscar Niemeyer e música popular, abriu espaço para chamada de capa que anunciava um boom de livros. A reportagem fazia menção às editoras e também livrarias, apontando uma melhoria significativa. No último triênio o número de livrarias no país cresceu 10%, segundo o diagnóstico feito pela Associação Nacional de Livrarias