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ComCiência

versão On-line ISSN 1519-7654

ComCiência  no.153 Campinas nov. 2013

 

ARTIGO

 

Fenômeno placebo-nocebo: evidências psiconeurofisiológicas

 

 

Marcus Zulian Teixeira

Doutor em medicina (FMUSP), pesquisador e coordenador da disciplina Fundamentos da Homeopatia (FMUSP). Mais informações: http://www.homeozulian.med.br

 

 

Apesar de o efeito placebo (nocebo) ser considerado por muitos como uma ilusão, ele é uma realidade observada em toda prática terapêutica, com seus mecanismos psiconeurofisiológicos estudados e descritos na literatura médica. Por ser um aspecto inerente ao cuidado médico, deveria ser conhecido por todos que se dedicam à prática e à pesquisa clínica. Com este intuito, nos aprofundamos no estudo desse fenômeno (Teixeira, 2009, 2010), citando uma síntese dos aspectos fundamentais.

Em qualquer tratamento farmacológico, os efeitos terapêuticos relacionam-se a dois tipos de fatores: específicos (dose, duração, via de administração, farmacodinâmica, farmacocinética, interações medicamentosas etc.) e não específicos (história e evolução natural da doença, regressão à média, aspectos socioambientais, variabilidade inter e intra-individual, desejo de melhora, expectativas e crenças no tratamento, relação médicopaciente, características não farmacológicas do medicamento etc.). O fenômeno placebonocebo faz parte destes últimos, sendo atribuível à relação médico-paciente o componente mais robusto, segundo pesquisas recentes.

Etimologicamente, o termo placebo se origina do latim placeo, placere, que significa agradar, enquanto o termo nocebo se origina do latim nocere, que significa infligir dano. De forma generalizada, entende-se efeito ou resposta placebo como a melhoria dos sintomas e/ou funções fisiológicas do organismo em resposta a fatores supostamente não específicos e aparentemente inertes (sugestão verbal ou visual, comprimidos inertes, injeção de soro fisiológico, cirurgia fictícia etc.), sendo atribuível, comumente, ao simbolismo que o tratamento exerce na expectativa positiva do paciente. Efeito nocebo é um fenômeno oposto, em que a antecipação e a expectativa por um resultado negativo podem conduzir à agravação de um sintoma ou doença. Exemplos naturais de efeito nocebo são observados no impacto de diagnósticos negativos e na desconfiança do paciente em relação à equipe médica ou por algum tipo de tratamento, tendo seus mecanismos psiconeurofisiológicos estudados de forma análoga ao efeito placebo.

Com a introdução sistemática dos ensaios clínicos placebos-controlados, considerado o padrão-ouro para avaliar a eficácia dos tratamentos, relatos frequentes de mudanças clínicas significativas nos grupos demonstraram que a intervenção placebo pode causar efeitos consideráveis em diversas condições clínicas. Revisões sistemáticas de ensaios clínicos placebos-controlados evidenciaram a resposta placebo (% de melhora) em diversas doenças, constatando sua influência em doença de Crohn (19%), síndrome da fadiga crônica (20%), síndrome do intestino irritável (40%), colite ulcerativa (27%), depressão maior (30%), mania (31%), enxaqueca (21%), dentre outras.

Os diversos fatores envolvidos na relação médico-paciente, do acolhimento ao teor específico das declarações feitas pelo terapeuta, influenciando a expectativa por uma melhora ou piora do quadro clínico, podem desencadear efeitos significativos no desfecho de qualquer tratamento, farmacológico ou não, alterando a atividade de determinadas regiões cerebrais e a liberação de neurotransmissores específicos.

 

Mecanismos psico-indutores do fenômeno placebo-nocebo

Dentre os mecanismos psico-indutores do efeito placebo, o condicionamento inconsciente reivindica que a resposta surge após a exposição repetida do indivíduo a associações de sugestões sensoriais neurais (características do comprimido, tipo de terapêutica, ambiente do consultório etc.) com intervenções de tratamento efetivas (ex: resposta placebo analgésica observada após a administração de comprimidos inertes com características semelhantes aos da morfina administrada previamente). Segundo um paradigma estritamente behaviorista (pavloviano), as sugestões sensoriais neurais podem extrair de forma automática e isolada, após a intervenção placebo, uma resposta semelhante ao tratamento efetivo. Deste modo, o condicionamento inconsciente estaria relacionado ao fato de que os pacientes, por meio da percepção visceral ou somática, são capazes de monitorar rapidamente as flutuações no estado dos órgãos internos (feedback sensorial), com resposta placebo proporcional ao grau de abrangência dessa percepção. De forma análoga, o efeito nocebo seria consequência do condicionamento inconsciente prévio por experiências negativas (ex: pacientes alérgicos ao perfume de flores manifestam sintomas alérgicos quando expostos a flores artificiais).

Outro importante mecanismo psico-indutor do fenômeno placebo-nocebo é a expectativa consciente dos pacientes nas perspectivas de melhora ou piora clínicas, que pode ser incrementada pelas sugestões verbais que acompanham o tratamento. Um modelo experimental tem avaliado o impacto clínico das expectativas positiva e negativa isoladamente, revelando ou ocultando ao paciente a administração ou a suspensão do tratamento melhor indicado (open-hidden paradigm). Nesse contexto, estudos evidenciam que um mesmo tratamento mostra-se mais efetivo quando é revelado (open) do que quando é ocultado (hidden) ao paciente, indicando que a expectativa positiva desempenha um papel crucial na resposta terapêutica (efeito placebo). Considerando que o desfecho clínico secundário a um tratamento não revelado (hidden) representa o efeito específico do tratamento em si, livre de qualquer contaminação psicológica, o resultado de um tratamento revelado (open) representa a somatória dos efeitos específicos e não específicos. A diferença entre essas abordagens é o componente placebo, embora nenhum placebo tenha sido administrado. De forma análoga, a expectativa negativa é avaliada com a revelação ou a ocultação da suspensão do tratamento indicado, mostrando que o grupo que sabia da interrupção apresentou piora dos sintomas (efeito nocebo) de forma mais intensa e antecipada do que o outro grupo.

Apesar dos defensores de um ou outro mecanismo, condicionamento inconsciente e expectativa consciente são adjuvantes na modulação placebo-nocebo, um amplificando a resposta do outro.

 

Mecanismos psiconeurofisiológicos do fenômeno placebo-nocebo

Mapeando áreas cerebrais responsáveis pelo fenômeno placebo-nocebo por Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) e Ressonância Nuclear Magnética Funcional (RNMf), estudos descrevem os mecanismos psiconeurofisiológicos envolvidos no processo. A resposta placebo analgésica tem como mediadores os peptídeos opióides endógenos (endorfinas), que atuam nos sítios dos receptores dos opióides exógenos (morfina) distribuídos em regiões cerebrais específicas (tronco encefálico, tálamo e medula espinhal). Dentre os mecanismos moduladores da analgesia placebo, observa-se que a expectativa positiva (melhora da dor) estimula o córtex pré-frontal (dorsolateral, medial e orbitofrontal) e o sistema opióide do tronco encefálico, áreas responsáveis pela modulação da dor emocional. Em relação ao efeito nocebo hiperálgico, a percepção da intensidade do estímulo doloroso é amplificada após uma expectativa negativa (piora da dor), com aumento na atividade de diversas regiões cerebrais (córtex pré-frontal orbitofrontal, córtex cingulado anterior e córtex insular anterior). Sugestões verbais negativas induzem ansiedade antecipatória sobre o provável aumento da dor (hiperalgesia nocebo), ativando o sistema colecistoquinérgico facilitador da transmissão dolorosa e diminuindo a atividade dos opióides endógenos.

Em resposta às injeções placebo de solução salina em pacientes portadores de doença de Parkinson, estudos demonstram a liberação de quantidades significativas de dopamina endógena no estriado dorsal, com melhoras clínicas evidentes. Observa-se também que a expectativa positiva relacionada à antecipação do benefício terapêutico e acompanhada pela liberação da dopamina pode ser um fenômeno comum ao efeito placebo em qualquer distúrbio clínico placebo-responsivo.

Na depressão, a resposta placebo apresenta um padrão metabólico similar ao dos antidepressivos (fluoxetina, por exemplo), sendo evidenciado no aumento da liberação do neurotransmissor serotonina no córtex pré-frontal, cíngulo anterior, córtex parietal, insula posterior e cíngulo posterior, além da diminuição de sua metabolização no cíngulo subgenual, para-hipocampo e tálamo.

De forma análoga aos fenômenos dolorosos, a expectativa negativa desperta o efeito nocebo, piorando a evolução clínica da doença de Parkinson e da depressão. Em todos os exemplos citados, o condicionamento inconsciente amplifica as respostas placebo e nocebo.

No entanto, pelos resultados apresentados, não temos como generalizar uma suposta especificidade e magnitude do fenômeno placebo-nocebo. Dependendo da sensibilidade individual, do tipo de sintoma ou doença, da informação transmitida ao paciente, da expectativa (associada ou não à sugestão verbal), das experiências prévias do paciente com as diversas situações e tratamentos (condicionamento inconsciente) etc., os efeitos da intervenção placebo-nocebo diferem caso a caso, envolvendo diferentes mecanismos psiconeurofisiológicos e suas respectivas áreas cerebrais.

 

Referências

Teixeira M. Z. "Ensaio clínico quali-quantitativo para avaliar a eficácia e a efetividade do tratamento homeopático individualizado na rinite alérgica perene" [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2009. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5159/tde-10062009-102220/pt-br.php.

Teixeira M. Z. "Bases psiconeurofisiológicas do fenômeno placebo-nocebo: evidências científicas que valorizam a humanização da relação médico-paciente". Rev Assoc Med Bras. 2009; 55(1): 13-18. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ramb/v55n1/v55n1a08.pdf.

Teixeira M. Z, Guedes C.H, Barreto P.V, Martins M.A. "The placebo effect and homeopathy". Homeopathy. 2010; 99(2): 119-129. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20471615.