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ComCiência

versión On-line ISSN 1519-7654

ComCiência  no.151 Campinas set. 2013

 

REPORTAGEM

 

Ruído e saúde ocupacional

 

 

Maria Marta Avancini

 

 

O avanço da tecnologia e a evolução das relações trabalhistas não foram suficientes para modificar um cenário que se mantém em muitos ambientes de trabalho: desde os tempos da Revolução Industrial, o ruído persiste como um agente físico encontrado em inúmeros processos produtivos.

A constatação da fonoaudióloga Ana Lúcia Rios, em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, em 2007, aponta para um cenário em que trabalhadores de diversas áreas convivem, em seu cotidiano, com a exposição ao ruído e, consequentemente, com os efeitos negativos que ela acarreta à saúde.

De acordo com Rios, dentre todos os fatores que acarretam risco para a saúde no ambiente de trabalho, o ruído se apresenta como o mais constante e o mais universalmente distribuído. Estudos realizados em várias partes do mundo estimam que 25% da população trabalhadora está sujeita a problemas. No Brasil, pesquisas e dados do Ministério da Saúde apontam que a exposição ao ruído é a terceira maior causa de doenças ocupacionais.

Uma das doenças mais comuns é a perda auditiva induzida por ruído, conhecida pela sigla PAIR, causada pela exposição continuada a níveis elevados de pressão sonora - ou seja, mais de 85 dB (som produzido por um liquidificador) por mais de 8 horas -, capaz de gerar alterações no ouvido interno. Outro dano são as lesões nas vias auditivas (desde a membrana timpânica até regiões do sistema nervoso central), decorrentes da exposição a níveis elevados de pressão sonora elevados (PAINSPE), como o que ocorre numa explosão (Leia mais sobre o assunto em artigo desta edição da ComCiência).

Link para artigo da Keila B. Knobel

As principais alterações nas vias auditivas ocorrem no órgão de Corti, localizado no ouvido interno, pois as células ciliadas externas são muito sensíveis a altas e prolongadas pressões sonoras e à chamada "exaustão metabólica" (diminuição enzimática e energética e redução do oxigênio e nutrientes), causando a morte celular. Com isso, o espaço é preenchido por cicatrizes, resultando num déficit permanente da capacidade auditiva. As células ciliadas externas provocam vibrações de fibras nervosas e enviam ao cérebro um impulso de determinada frequência.

 

Dano à saúde em geral

No entanto, os problemas gerados pela exposição ao ruído no ambiente laboral ultrapassam os prejuízos para a audição. "O ruído elevado afeta a saúde em geral, causando problemas gástricos, cardíacos, dor de cabeça, insônia, estresse, irritabilidade, diminuição da concentração, zumbido, entre outros", enumera a fonoaudióloga Cláudia Giglio de Oliveira Gonçalves, professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti, do Paraná.

Além disso, a PAIR, especificamente, prejudica a capacidade de ouvir sons ambientais, o que dificulta a compreensão da fala e pode gerar prejuízos às interações sociais do portador da doença. O trabalhador portador de PAIR, enfatiza Gonçalves, tem mais chance de se acidentar, pois terá dificuldade de ouvir sinais sonoros de segurança e o funcionamento de máquinas e equipamentos.

Siderurgia, metalurgia, gráfica, têxteis, papel e papelão, vidraria estão entre os segmentos industriais em que os trabalhadores estão mais sujeitos à PAIR. Mas a exposição a ruído intenso também afeta outros profissionais como "dentistas, militares, operários da construção civil e obras públicas, aeroporturários, coletores de lixo e por aí afora", assinala Everardo Andrade da Costa, professor da disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço da Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

"Todos os profissionais que trabalham expostos a ruído intenso, a vibrações e a produtos químicos ototóxicos estão sujeitos a desenvolverem perdas auditivas", complementa a fonoaudióloga Giglio. Desse modo, metalúrgicos, gráficos, motoristas, agricultores, músicos, militares, policiais, bombeiros, professores de educação física (principalmente em academias), dentre outros, somam-se à lista de profissionais sujeitos à perda auditiva.

Outras dimensões também são afetadas.  Do ponto de vista psicossocial, a exposição à pressão sonora afeta o comportamento da pessoa na família, no trabalho e na sociedade. No campo das relações trabalhistas, os afastamentos ou as aposentadorias por perda auditiva de origem ocupacional geram ônus para a Previdência Social. "Esta, por sua vez, tem o maior interesse em reduzir essa carga e propiciar ao trabalhador afetado o mais breve retorno às atividades", analisa Costa.

 

Uma doença silenciosa

A PAIR, muitas vezes, demora a ser diagnosticada, especialmente porque em muitas empresas e segmentos profissionais não existe a prática de se realizar avaliações auditivas de trabalhadores. "Um trabalhador pode passar toda a vida laboral sem perceber o problema", afirma o professor Costa.

Por isso, o diagnóstico nem sempre é feito, embora os efeitos da PAIR se manifestem de várias maneiras. Em pesquisa realizada por Costa, ainda não publicada, com cerca de 180 portadores de PAIR, apenas 18% acusaram perda auditiva. Em compensação, 50% deles tinham dificuldade para perceber a fala (conversas em ambientes com barulho de fundo) e 45% acusavam zumbidos nos ouvidos. "Mas, em geral, a PAIR é silenciosa", reitera.

Em outro estudo, também realizado por Costa em parceria com Rosalina Ogido e Helymar da Costa Machado, mostrou que de 190 trabalhadores, atendidos em um centro de referência de saúde ocupacional, entre 1997 e 2003, 175 apresentavam PAIR. Esses trabalhadores foram encaminhados para atendimento por sindicatos ou por demanda espontânea e foram submetidos à avaliação audiométrica.

A média de exposição a ruído, entre os integrantes da amostra, foi de 15,7 anos. O ramo de atividade mais afetado foi a indústria metalúrgica (74% do total). O estudo constatou associação entre a perda auditiva com tempo de exposição ao ruído e a idade. Com base nos resultados, os pesquisadores enfatizaram "a necessidade permanente da adoção de medidas preventivas em relação à exposição ao ruído".

 

Regulamentação e políticas

Apesar de danosa, a exposição excessiva ao ruído só passou a ser normatizada a partir dos anos 1990. Naquela época, comissões com representantes do governo, dos empregados e dos empregadores promoveram mudanças na legislação trabalhista e previdenciária, o que deu origem a um conjunto de normas técnicas e legais relativas à PAIR.  Desde então, o cenário vem melhorando e ganhos importantes já foram conquistados, na opinião do professor Costa, da Unicamp. "Mas sempre há o que melhorar".

Para a fonoaudióloga Giglio, atualmente, em grande parte das empresas com ruído são realizadas avaliações nos postos de trabalho, são disponibilizados equipamentos de segurança aos trabalhadores como os protetores auriculares e exames audiométricos são realizados com frequência.

No entanto, ainda é necessário avançar nos Programas de Preservação Auditiva (PPAs), que não estão efetivamente implantados na maioria das empresas. "Ou seja, a prevenção não é eficiente", afirma. "As ações que vêm sendo realizadas são importantes, mas há outras tão relevantes quanto essas, tais como investimentos para reduzir o ruído nas máquinas e nos equipamentos, gerenciamento auditivo e estudos para identificar grupos de risco", complementa Giglio.

Os argumentos da fonoaudióloga se baseiam em suas pesquisas. Um estudo realizado em 26 empresas no interior do Paraná constatou que somente 12 desenvolvem PPA, embora sua existência seja exigida por lei em todos os locais de trabalho onde a pressão sonora seja elevada. E, nas empresas em que há PPA, o plano não está plenamente implantado. Nas empresas investigadas por Giglio, o PPA se resume a exames periódicos, não abarcando, por exemplo, investigações sobre o perfil auditivo ou o desenvolvimento de ações educativas, como preconiza a legislação.