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ComCiência

On-line version ISSN 1519-7654

ComCiência  no.144 Campinas Dec. 2012

 

ARTIGO

 

A importância do sistema nervoso para as políticas judiciárias do país

 

 

Antonio Pereira

Doutor em biofísica e professor associado ao Instituto do Cérebro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

 

 

Segundo pesquisa divulgada recentemente pelo Senado Federal, a opinião de quase 90% dos entrevistados é de que a maioridade penal deve ser reduzida no Brasil. Um resultado parecido com esse é provável de ser alcançado em qualquer roda de conversa informal quando o assunto vem à tona. Afinal, as pessoas estão perplexas e frustradas com o fato de que cada vez mais pessoas aparentemente adultas cometem crimes e, no final das contas, não têm a retribuição adequada para o crime que cometeram, sendo tratadas de maneira "privilegiada" pela justiça.

Essa atitude quase unânime pode ser explicada por duas teorias influentes da psicologia: a Teoria de Atribuição do Comportamento (formulada pelo psicólogo austríaco Fritz Heider em 1958), que se refere à maneira como as pessoas fazem inferências explanatórias sobre o próprio comportamento ou de outros, e pela Teoria da Mente (desenvolvida pelo psicólogo britânico Simon Baron-Cohen e colegas e publicada em 1985), que é a habilidade de atribuir estados mentais para outras pessoas através da observação do comportamento e pela analogia com nossos próprios estados mentais. No caso de um crime cometido por um adolescente, as evidências imediatamente disponíveis são incompatíveis com o tratamento diferenciado recebido pelo perpetrador do crime. Afinal, o senso comum é que o amadurecimento das características sexuais secundárias que ocorre na puberdade significa que o sujeito já é "adulto". Além disso, o processo de inferência da causalidade do crime é enviesado pela expectativa das pessoas em relação à capacidade do cérebro adulto em escolher entre o certo e o errado. Existe também uma tendência de atribuir à origem do comportamento negativo (ou falhas), de outros, a causas internas e não externas (o inverso é verdadeiro no caso de comportamento positivo, ou sucessos).

Entretanto, existe uma dissonância entre a maturidade sexual e cerebral dos indivíduos. Enquanto a maturidade sexual indica que o sujeito está apto para reproduzir e ocorre no início da adolescência, o cérebro continua amadurecendo durante toda a adolescência, até os primeiros anos da segunda década de vida, principalmente nas suas regiões parietal e pré-frontal.

A região pré-frontal do córtex cerebral controla as chamadas funções executivas, que têm o papel de gerente cognitivo do nosso comportamento e pensamentos. O córtex pré-frontal é excepcionalmente desenvolvido em seres humanos, mesmo quando comparada com outros primatas. Essa diferença é utilizada para justificar o repertório cognitivo diferenciado de seres humanos, que não encontra paralelo em outros animais.

Devido à complexidade das suas funções uma boa parte do amadurecimento do córtex pré-frontal ocorre em um longo período de interação com o ambiente durante a adolescência, chamado de período crítico de plasticidade. Neste período, o ambiente molda facilmente as conexões sinápticas entre os neurônios, preparando os circuitos cerebrais para as demandas da vida adulta. A adolescência é um estado transicional caracterizado psicologicamente pela imaturidade das funções executivas. Essa característica transicional não implica que o adolescente é um adulto imperfeito. Pelo contrário, o estágio de amadurecimento das funções executivas é adequado para que o cérebro se beneficie o máximo possível das interações com o ambiente. Tome como exemplo uma das funções executivas, o controle da impulsividade. A impulsividade do adolescente, associada com o comportamento de risco típico dessa idade, além dos efeitos negativos óbvios, como aumento na taxa de mortalidade, exposição a doenças sexualmente transmissíveis etc, também traz o benefício de aumentar as oportunidades de interação ambiental e social, que contribuem, por sua vez, para produzir um cérebro mais eficiente em lidar com os desafios cognitivos da idade adulta.

Existem várias evidências científicas de que existe uma tendência de alongamento do período da adolescência em seres humanos. Primeiro, o amadurecimento do córtex pré-frontal está levando mais tempo para ocorrer, provavelmente pela ação de fatores ambientais, através de mecanismos epigenéticos (aqueles resultantes de interações entre genes e ambiente). O termo epigenético se refere a modificações na expressão gênica que ocorrem sem mudança na sequência do DNA, através da metilação do DNA, expressão de micro RNA, ou modificação das histonas, que são proteínas que "empacotam" o DNA. Além disso, a puberdade está acontecendo mais cedo, tanto para meninas como para meninos.

Essas considerações sugerem a importância das políticas judiciárias do país serem informadas sobre questões do desenvolvimento do sistema nervoso. Afinal, as transgressões do código penal são cometidas através de decisões tomadas por um sistema extremamente complexo, mas imperfeito, o cérebro. As penas atribuídas pelo sistema judiciário são baseadas no pressuposto da competência mental para a tomada de decisões. Neste artigo fica claro que essa competência em adolescentes está comprometida, não porque o cérebro adolescente é mais imperfeito do que o adulto, mas por causa dos requisitos para o desenvolvimento adequado das competências cognitivas. Cabe à sociedade zelar pelo andamento adequado do processo, proporcionando aos adolescentes um ambiente enriquecido em termos sensoriais, cognitivos e sociais e, no caso de criminosos juvenis, impedir que a susceptibilidade plástica do cérebro adolescente seja influenciada por estímulos negativos presentes em instituições penais destinadas a adultos.

 

 

10/12/2012