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ComCiência

versión On-line ISSN 1519-7654

ComCiência  no.141 Campinas set. 2012

 

cci

REPORTAGEM

 

EaD brasileira é marcada por união com meios de comunicação

 

 

Romulo Augusto Orlandini*

 

 

Supletivos de 1º e 2º graus, auxiliar de administração de empresas, corte e costura, secretariado moderno, mecânica geral e até mesmo de mecânica de automóveis: estes eram alguns dos cursos oferecidos pelo Instituto Universal Brasileiro via correspondência. Os anúncios, que apareciam com frequência em gibis e revistas populares, eram parte de uma iniciativa de oferecer educação para os brasileiros que não podiam frequentar a escola regular. Essa seria uma iniciativa pioneira da primeira geração da educação à distância (EaD) no Brasil. "O presente, caracteriza-se pelo uso de tecnologias interativas, que priorizam os processos de comunicação, permitindo assim a interação remota entre os diversos agentes do processo ensino-aprendizagem", explica Patrícia Lupion Torres da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

No entanto, de acordo com os pesquisadores Patrícia e João Vianney, da Universidade de Brasília (UnB), no capítulo "Um olhar sobre os números da educação a distância no ensino superior brasileiro"1, a história da educação a distância (EaD) no Brasil começa logo no início do século XX - em 1904 -, quando as instituições privadas ofereciam cursos técnicos por correspondência, na chamada 1ª geração da EaD brasileira. Antes de chegar no Brasil, a novidade já havia sido testada na Suécia, Estados Unidos, Inglaterra e Canadá.

 

 

"Os primeiros 80 anos da educação a distância no Brasil se desenvolveram ao ritmo de um compasso lento, tendo em vista a incipiência das políticas, no campo educacional, aliás, predominantemente extensionistas e, depois, supletivas, no campo educacional", explica Patrícia Torres. Ela lembra, por exemplo, que o primeiro modelo se caracterizou por um processo solitário de estudo, realizado por meio de livros impressos autoexplicativos de linguagem simples. Segundo a pesquisadora, os primeiros passos firmes da EaD foram através do rádio e acabaram por ganhar corpo em 1960, com a chegada dos recursos oferecidos pela televisão. Era o início da segunda geração.

A revolução computacional caracterizou a entrada na terceira fase dos estudos feitos a distância, com a utilização das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), especialmente da internet. Segundo Terezinha Saraiva, coordenadora de Programas Sociais da Fundação Cesgranrio e uma estudiosa sobre educação a distância no país, o surgimento e disseminação dos meios de comunicação de massa foi paradigmático para a EaD no Brasil. "Considero como marco inicial, a criação, por Roquette Pinto, entre 1922 e 1925, da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro e de um plano sistemático de utilização educacional de radiodifusão, como forma de ampliar o acesso à educação", conta. A rádio, criada em 1923 por um grupo de cientistas, foi a primeira voltada para a divulgação da cultura e ciência. Depois, segundo a pesquisadora, vieram uma série de empreendimentos de sucesso, como os projetos Minerva, Saci, Logos e o Telecurso (veja quadro abaixo).

Inovador no início, o ensino a distância levava educação para recantos das cidades onde habitavam os que tinham poucas chances de ir para os bancos escolares. Mesmo assim, Patrícia Torres lembra que os diplomas recebidos por aqueles que faziam cursos por correspondência, rádio e TV eram vistos com desconfiança. "Nessa época, a EaD era vista como uma educação de segunda categoria, assim havia muitas restrições aos certificados emitidos".

 

 

Legislação

O cenário começaria a mudar na década de 1970, quando a Universidade de Brasília (UnB) firmou convênio com a inglesa Open University para a oferta de cursos livres. Mais de 20 cursos foram abertos em 1979, sendo que seis eram traduzidos do inglês. Aos poucos, os métodos de transmissão de conhecimento foram se diversificando, como tele-educação via satélite, polos semipresenciais, universidade virtual, vídeo-educação e unidades centrais.

Mesmo assim, apesar das diversas iniciativas por todo o país, a educação a distância demorou para engrenar enquanto lei. Foi somente em 1996, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que a EaD entrou para as políticas públicas. Até então, a única aproximação era por meio de um decreto-lei de 1942, conhecido como Reforma Capanema, que validava diplomas de ensino secundários obtidos sem frequentar um estabelecimento escolar.

Em 2005, a legislação foi revista, com a inclusão que citava: "a educação a distância organiza-se segundo metodologia, gestão e avaliação peculiares" - e obriga alguns momentos presenciais para os cursos. A exigência reflete a própria sina da EaD de ser comparada com a educação regular.

Sérgio de Aguiar Monsanto, professor do Departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) aponta que o método também tem suas dificuldades no dia a dia. "A disciplina que leciono na Universidade Aberta do Brasil - UAB é física experimental e, embora existisse a possibilidade de utilizar bons sites com simuladores, não concordo com uma disciplina experimental realizada com simuladores. Por isso montei uma equipe com mais cinco professores que, junto comigo, também se deslocam até os polos e realizam as aulas práticas", disse.

 

Baixo acesso escolar

Quando nos retemos nos dados do início do século passado, vemos uma desalentadora situação educacional brasileira: segundo o IBGE, no estudo "Estatísticas do século XX", o país iniciou o século XX com 65,1% da população (com mais de 15 anos de idade) analfabeta. Em 1940, havia somente 3,3 milhões de estudantes nos níveis primários e secundários, equivalentes aos atuais ensinos fundamental e médio. O número representava 21% dos 15,5 milhões de brasileiros que tinham, na época, entre 5 e 19 anos. De 1940 até 1960 o número subiria de 21% para 31%, para quase dobrar na década seguinte (58%).

As diversas iniciativas de educação a distância eram tentativas de mudar o cenário. Para Terezinha Saraiva, a EaD sempre foi concebida com uma visão reducionista. Ela acredita que não sãos os meios de transmissão que fazem a educação, mas sim a troca de conteúdo. "A educação a distância só se realiza, quando um processo de utilização garante, mais do que recepção e até troca de mensagens, uma verdadeira comunicação bilateral nitidamente educativa", afirma.

Dados de 2010 do Ministério da Educação (MEC) apontam que atualmente a educação a distância soma 426.241 matrículas de licenciatura, 268.173 de bacharelado e 235.765 matrículas em cursos tecnológicos. Informa ainda que a média de idade dos cursos a distância é de 33 anos - enquanto os estudantes dos cursos regulares estão na faixa dos 24 anos. Para os mais velhos, explica Terezinha Saraiva, a EaD pode ajudar a solucionar alguns problemas que afetam a educação no Brasil, como a enorme extensão territorial e professores sem qualificação. Ela explica que as vantagens vão além. "Considero que a EaD tem enorme importância para a educação brasileira pela existência de milhões de jovens e adultos que não concluíram, na idade certa, seus estudos de educação básica", diz a pesquisadora.

O último Censo, realizado em 2010, indica que 96,9% das crianças e jovens entre 7 e 14 anos estão na escola. Pelas estatísticas, o futuro educacional deles, no que concerne ao ingresso, parece estar razoavelmente resolvido. A EaD é um raro caso em que as apostas para o futuro - educação e alta tecnologia - ajudaria também a consertar erros do passado.

 

Nota

1 - Torres, P.L. & Vianney, J. "Um olhar sobre os números da educação a distância no ensino superior brasileiro". In: Romilda Teodora Ens; Marilda Aparecida Behrens. Políticas de formação do professor: caminhos e perspectivas. Curitiba: Champagnat, 2011.

 

 

* 10/09/2012