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ComCiência

versão On-line ISSN 1519-7654

ComCiência  no.135 Campinas fev. 2012

 

ENTREVISTAS

 

A coordenadora geral da ONG Ação Educativa, Vera Masagão Ribeiro, fala sobre alfabetização e a melhora nos índices brasileiros

 

 

Monique Lopes; Romulo Orlandini

 

 

O nível de alfabetização dos brasileiros visto em detalhes: é o que propõe o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf). A cada dois anos, o índice faz questionários detalhados e elabora um indicador aprofundado da educação do país. Como resultado de uma parceria da ONG Ação Educativa com o Instituto Paulo Montenegro, vinculado ao Ibope, o Inaf é feito em paralelo ao Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nesta entrevista à ComCiência, a coordenadora da Ação Educativa, Vera Masagão Ribeiro, fala sobre os índices, a diferença entre Inaf e IBGE, valorização dos profissionais de educação, inclusão digital e políticas públicas educacionais para jovens e adultos. Para Vera, os índices do IBGE captam melhoras principalmente na alfabetização infantil, mas ainda faltam projetos dedicados ao incremento das habilidades de leitura e escrita das gerações mais velhas.

ComCiência: Como o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf) está estruturado?

Vera Masagão: O Inaf é um projeto que a Ação Educativa elaborou com o Instituto Paulo Montenegro, um órgão social do Ibope. Por isso, esse índice que criamos aproveita toda a estrutura de pesquisa do Ibope, ou seja, isso inclui as pessoas que realizam as amostras, até as equipes das diversas regiões do país. Fazemos, desde 2001, uma pesquisa sobre níveis de alfabetismo da população, a partir de entrevistas domiciliares, com esse grupo formado pelos profissionais do Ibope, e montamos uma amostra representativa da população de 15 a 64 anos. É aplicada uma prova com questões do dia a dia, que avalia leitura, escrita e matemática. A elaboração desta prova é feita a partir de notícias de jornal, anúncios etc. Depois, é realizado um novo questionário sobre a pessoa, para sabermos: o que faz, onde estudou, se consegue ler ou não, e o que tem hábito de ler. É algo bem detalhado. Com essas informações, conseguimos uma medida das práticas, por exemplo, se estuda, quais são suas expectativa, etc. Esse levantamento vem sendo realizado desde 2001, o último foi em 2009 e nós estamos indo novamente a campo agora para mais um levantamento. Entre 2001 e 2005, a pesquisa era feita anualmente, e hoje ocorre a cada dois.

De uma edição para outra da pesquisa, poucas mudanças são feitas, exatamente com intuito de construir um indicador que tenha comparabilidade de um ano para o outro. Inicialmente, trabalhávamos com uma prova só, aplicada todos os anos, depois incluímos algumas sofisticações do ponto de vista metodológico, ou seja, são aplicadas provas diferentes, mas na mesma escala, de forma que seja possível avaliar se determinada situação melhorou, piorou, ou permaneceu igual.

ComCiência: Como se diferencia o índice de analfabetismo calculado pelo IBGE do índice do Inaf?

Vera Masagão: O IBGE trabalha com autodeclaração, portanto, pergunta ? às pessoas se são alfabetizadas, se sabem ler e escrever um bilhete simples. No Inaf, fazemos essas mesmas perguntas que o IBGE, mas também aplicamos uma prova. Evidentemente, há diferenças entre os resultados. Por exemplo, existem pessoas que são avaliadas por essa prova como analfabetas, mas que se autodeclaram alfabetizadas. O contrário também ocorre, principalmente, pessoas que têm um domínio rudimentar da leitura e da escrita, mas que se dizem analfabetas segundo o critério do IBGE. Por isso, exploramos muito além do que a pergunta do IBGE, pois investimos num detalhamento da pergunta. Em princípio, o que diferencia o Inaf é a medição mesmo, através de um teste, enquanto que o IBGE é só autodeclaração. E, além do analfabetismo, o IBGE às vezes divulga também analfabetismo funcional.

ComCiência: O Inaf diferencia alfabetismo funcional do analfabetismo funcional?

Vera Masagão: Para o IBGE, analfabetismo funcional é quem tem menos de três anos de escolaridade, portanto, eles fazem uma aproximação. No Inaf, apesar de abordarmos alfabetismo funcional, concordamos que existe o analfabeto, que não sabe ler nem escrever. A isso somamos a ideia do alfabetismo rudimentar, o básico e o pleno. Não usamos o analfabetismo funcional, porque para nós esse alfabetismo rudimentar é algo utilizado pelas pessoas, ou seja, é melhor do que nada. Também não é o que consideramos ideal, que seria o pleno. Uma pessoa que faz até a oitava série, ou o nono ano do ensino fundamental, deveria atingir o nível pleno, mas notamos que só 25% da população o atinge.

ComCiência: O Inaf tem alcançado os objetivos a que se propõe?

Vera Masagão: Procuramos levantar o debate sobre alfabetização, e, nesse sentido, acredito que sim. Mas, realmente, ainda temos um longo caminho a percorrer, porque o Inaf mostra que não é só uma questão de escola. Isso é importante, é o principal fator, mas precisamos melhorar a qualidade do ensino na escola regular e também oferecer escola a jovens e adultos, incluir outras oportunidades de inserção cultural, que passem pela leitura, escrita, inserção digital etc. Dessa forma, é possível ajudar a população adulta, já inserida no mercado de trabalho, a superar ao menos em parte esse déficit.

ComCiência: O Inaf tem influído na geração de políticas públicas?

Vera Masagão: É a nossa meta, mas geramos principalmente o debate público, que deve pautar essa discussão. Há quatro anos atrás, o Inaf apresentou uma proposta pra um edital público do Ministério da Educação, para realizar uma medição das habilidades dos alunos da rede pública de ensino. Foi aprovado, mas infelizmente, nessas confusões do governo, o dinheiro ainda não saiu, estamos aguardando, para fazer de fato essas avaliações. Seria talvez o impacto mais direto de influência em políticas públicas, mas infelizmente isso não foi viabilizado. O Inaf também já foi usado pra avaliar o Brasil Alfabetizado, e em algumas outras situações mais pontuais.

ComCiência: Entre 2000 e 2010 o IBGE aponta que a taxa de analfabetismo de jovens com 15 anos ou mais caiu de 13% para 9,6%. O censo afirma ainda que o analfabetismo caiu em todos os outros grupos pesquisados. A educação brasileira está melhorando?

Vera Masagão: O índice de analfabetismo mostra uma herança histórica, pois existem gerações adultas e de idosos impactando esse índice. Eu acho que esses índices do Censo mostram uma diminuição lenta do analfabetismo, mas também que o Brasil continua sem conseguir uma inflexão nessa queda. A meta mais ampla continua mesmo acuada, e permanecemos atrás daqueles países que nos são concorrentes e semelhantes na América Latina. Nesse analfabetismo medido, nós temos o produto tanto da não escolarização dos mais velhos como da escolarização precária das gerações mais velhas, que ficam pouco tempo na escola e não conseguem nem sequer se considerar alfabetizados.

ComCiência: Quais são as causas que podem ser apontadas para essa queda, mesmo que lenta?

Vera Masagão: Certamente há um avanço da escolarização. Mesmo considerando todos os problemas, avançamos principalmente nas populações mais jovens. De fato é um progresso, com toda a deficiência, é melhor do que não ter escola. Acho que isso é resultado de um esforço que vem sendo feito há décadas, de melhoria e de expansão da educação.

ComCiência: Ainda segundo o IBGE, o Brasil possui mais de 81 milhões de pessoas (com mais de 10 anos) sem instrução ou com ensino fundamental incompleto. O que pode ser feito para captar novamente essa massa para a escola?

Vera Masagão: Eu acredito que os dados mostram que ainda não tivemos nenhuma política voltada à população adulta efetiva. Isso quer dizer que os nossos índices ainda conseguem captar lentamente os progressos feitos com as crianças, mas essa população jovem, defasada, principalmente os adultos, já inseridos no mercado de trabalho, não estão incluídos em um programa que realmente tenha feito a diferença de fato. Uma mobilização social mais ampla de escolarização e elevação dos índices de habilidade da população adulta é fundamental. O mercado de trabalho está, cada vez mais, exigindo trabalhadores mais capacitados, existe um reclame, mas não existe nenhuma política - nem por parte da classe empresarial, nem por parte do governo - que de fato mostre que está fazendo a diferença nesse outro nível. Eu acho que o Brasil Alfabetizado, que foi um programa que surgiu com essa pretensão, teve uma série de equipes, e acabou não tendo maiores impactos nesse índice.

ComCiência: Seria o caso então de mais políticas públicas voltadas para a educação de jovens e adultos?

Vera Masagão: Sem dúvida. E não apenas mais políticas voltadas para a educação de jovens e adultos, mas também de inserção digital, engajando sistemas de ensino mais do que esses programas de alfabetização que duram somente seis meses, coisa que não cria nas redes de ensino esse compromisso de longo prazo. Deve haver, de fato, uma agência de alfabetização e de educação para os adultos em defasagem.

ComCiência: Já que você citou a inclusão digital, a Ação Educativa age de forma a contribuir também para isso?

Vera Masagão: A Ação Educativa trabalha em especial com os jovens, mas não temos um foco específico na inclusão digital. Todos os nossos projetos com eles passam por melhorar a capacidade de comunicação e de informação, o que geralmente inclui um trabalho de mídia, ou seja, aprender a se comunicar. Ou seja, isso inclui o uso do computador. Fazemos, portanto, um trabalho mais amplo de orientação profissional, pois cada vez mais notamos essa demanda deles, que percebem a deficiência no que se refere à comunicação, às ferramentas de comunicação, oral e escrita.

A internet em si não faz a mágica, mas apresenta um potencial enorme, porque democratiza a produção da informação, o acesso à informação. Então, com uma boa orientação, se pode fazer um uso bem adequado disso, bem amplo. De forma geral, há um avanço importante com o uso da internet, principalmente entre os jovens. Por outro lado, ainda fica aquém, um pouco limitado, o uso que focaliza apenas redes sociais, mas enfim, há um potencial instalado, de produzir conteúdo, disseminá-lo, e de acessar informação. É uma coisa que está posta à disposição da escola, mas evidentemente só isso, esse potencial, não se realiza se não houver um trabalho educativo mesmo.

ComCiência: Existem alguns projetos do governo com a intenção de incluir computadores nas escolas. Você acha que eles são eficazes?

Vera Masagão: Eu acho sim, mas não isolado. São necessárias outras coisas na escola, um projeto pedagógico, um currículo, professores que de fato tenham um vínculo com a escola, com metas a atingir, etc. Lógico que o equipamento faz parte de um projeto pedagógico, é uma ferramenta básica, eu diria que hoje é tão importante quanto ter acesso a livros. Antes era só através de livros que se podia ter acesso à informação e hoje existe essa outra possibilidade de acessar materiais com informação. Hoje, uma forma relativamente barata de oferecer acesso à informação para as pessoas é via internet. Às vezes é mais barato do que montar uma biblioteca rica o suficiente pra realmente cobrir os interesses, todas as áreas curriculares, os interesses pessoais de cada pessoa. A gente precisa de programas curriculares, projetos, metas, lógico, com a ferramenta oferecida, mas engajada nessa meta maior de aprendizagem. Se o programa for só colocar o computador na escola sem saber para quê, sem o compromisso de que isso será usado de forma a atingir aprendizagem, diminuímos muito a nossa chance ou a nossa velocidade de avanço. É lógico que se um instrumento cai na mão de alguém bem intencionado, acaba fazendo um bom trabalho, mas ficamos sujeito à sorte se não houver uma política com esse direcionamento.

ComCiência: Ainda sobre escolas, como você acha que os indicadores de educação podem interferir na gestão?

Vera Masagão: Acreditamos que indicadores, como o do Inep, o Ideb, a Prova Brasil, e essas informações sobre o sistema em geral só têm sentido para uma comunidade engajada em perceber melhorias da sua escola, interessada em saber qual é a relação da sua escola com o conjunto de escolas brasileiras, da educação no mundo. Mas a Ação Educativa tem um projeto que trabalha com metodologias simples de avaliação institucional, ou seja, a própria comunidade escolar, os pais, alunos, professores e outras lideranças locais, devem, em nossa opinião, estar envolvidas e monitorar, acompanhar os progressos da escola. Em resumo, apostamos em um projeto de indicadores de qualidade da educação, que é uma metodologia de avaliação participativa da instituição. Não é que a gente contrapõe isso aos outros índices. Mas entendemos que deve existir a voz dos alunos, dos pais, dos professores, ao lado dos grandes indicadores - que eventualmente servem para os gestores, avaliações institucionais. Esse grupo também deve ser ouvido e, ao mesmo tempo, essas avaliações institucionais devem ser, de alguma forma, confrontadas com avaliações externas, com indicadores mais macro.

ComCiência: É possível apontar algum exemplo que tenha dado certo?

Vera Masagão: É, nós temos toda uma linha de trabalho, de uso das avaliações institucionais, envolvendo a comunidade escolar para fazer com que isso dialogue com os indicadores gerais da educação. Nós temos trabalhos em alguns municípios, os quais acompanhamos, mas são experiências ainda pontuais, eu não sei te dizer de resultados esquematizados, divulgados ou publicados.

ComCiência: Há algum ponto que você ache relevante no cenário da educação no último decênio que você gostaria de destacar?

Vera Masagão: Estamos agora com o grande desafio de valorização dos profissionais de educação, de tornar a carreira mais educativa, e somar isso a uma clareza de onde queremos chegar, uma maior exigência profissional, com a contrapartida de uma maior valorização profissional também, melhores salários, melhores condições de trabalho, vínculo maior com a escola, apoio, principalmente, às escolas que estão nas situações de maior risco nos bairros mais pobres, nas situações mais frágeis, mas tudo isso ancorado num projeto claro do que é preciso ensinar. É necessário garantir que todas as crianças aprendam em cada nível de ensino. E que condições básicas a gente vai dar, qual é o custo disso, porque é lógico que educação de qualidade tem um custo, e a gente sabe que hoje o Fundeb, apesar de ter democratizado um pouco o acesso a recursos, ele mesmo reconhece que o valor que é repassado pras escolas não corresponde ao que seria necessário pra ter o mínimo de educação de qualidade. Ainda estamos sub-financiados.

A Ação Educativa tem trabalhado bastante nessa área de participação, quer dizer, de envolvimento da sociedade, da comunidade diretamente atendida pela unidade escolar e pela opinião pública como um todo, de um engajamento maior naquilo que é educacional; temos trabalhado inclusive com acesso à justiça como uma forma de garantir direito à educação, com o tema da diversidade cultural, a questão racial. Focalizamos enfim, todos os elementos que podem excluir ou gerar desigualdade e que devem ser combatidos. Agora, a gente sabe que a questão do financiamento é importante, e a questão do professor, também. Políticas que valorizem o professorado, que como contrapartida então você possa de fato exigir uma dedicação, um compromisso maior com uma turma de alunos, que seja possível o professor assumir e se responsabilizar por ela.

 

 

10/02/2012