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ComCiência

versión On-line ISSN 1519-7654

ComCiência  no.134 Campinas  2011

 

ARTIGO

 

Culturas animais

 

 

Kevin N. Laland
Tradução: Germana Barata

 

 

Para a maioria dos biólogos, “cultura” é cultura de crescimento em placa de Petri contendo ágar ou o domínio nebuloso da moda, da arte e do teatro que se encontra no limite da compreensão científica. Para um número crescente de especialistas em comportamento animal, entretanto, “cultura” tem um significado completamente diferente: a aprendizagem e a transmissão social de conhecimento e habilidades entre animais. Os exemplos mais conhecidos incluem a abertura de garrafas de leite por pássaros europeus para beber a nata, a lavagem do alimento por macacos japoneses, e o hábito de alguns chimpanzés do leste africano de apanhar cupins com gravetos. Animais tão diversos quanto formigas, peixes esgana-gata e baleias orca são agora conhecidos por escolherem hábitos de forrageamento, preferências alimentares, preferências de acasalamento e táticas de evasão de predadores, e por aprenderem chamados, canções e rotas migratórias através da observação dos mais experientes. Mas a reivindicação que os seres humanos não são a única espécie imersa em um reino cultural está coberta de controvérsia.

 

Por que estudar cultura animal?

Por que há interesse na cultura? Muitos que estudam as culturas animais, particularmente os primatólogos, o fazem porque acreditam que sua pesquisa lançará luz sobre a evolução da cognição humana. A aprendizagem social animal, argumenta-se, encontra-se nas raízes da cultura humana. Se podemos compreender a captura de cupins por chimpanzés ou a lavagem de alimentos feita por macacos, concluem, podemos ter insights sobre processos homólogos que levaram à emergência da cultura “madura” dos humanos, às circunstâncias que favoreceram os suportes cognitivos de nossa própria capacidade cultural, ou à trajetória evolutiva de nossos antepassados culturais. 

Não importa os méritos desse argumento mas, da perspectiva do biólogo evolutivo, a cultura animal é inerentemente interessante. Isto é, há questões mais amplas que justificam a investigação de processos culturais animais que estão além da luz que tais estudos lançam sobre nossa própria espécie. Talvez a mais óbvia delas é que a cultura é uma fonte de comportamento adaptativo; indivíduos podem adquirir soluções eficientes para problemas como “o que comer?” e “com quem acasalar?” simplesmente imitando o outro. 

O fascínio da cultura, entretanto, também está relacionado à capacidade de propagar o comportamento de uma maneira que seja, em algum grau, independente do ambiente ecológico. Por exemplo, uma suposição fundamental da biologia evolutiva é que a seleção natural moldará os organismos para reproduzirem as circunstâncias ambientais. Entretanto, a cultura pode violar essa premissa; pode fazer com que as características dos organismos tornem-se parcialmente desconexas de seus ambientes. Isso é mais óbvio nos seres humanos quando estudos de diferentes sociedades verificam que a maioria dos traços humanos comportamentais e sociais se correlaciona com a história cultural – foram transmitidos como tradições – ao invés da ecologia de uma sociedade. O mesmo aplica-se, pelo menos, a alguns animais.

Os locais de acasalamento do gudião-azul, por exemplo, não podem ser previstos pelo conhecimento sobre distribuições ambientais de recurso. Pelo contrário, experimentos de remoção e substituição demonstram que os locais de acasalamento são mantidos como “tradições”, através de múltiplas gerações, com os peixes novos e recém-chegados adotando os locais de acasalamento dos residentes. 

A cultura também pode gerar padrões de variação fenotípica no espaço. Biólogos evolutivos e ecólogos começam a compreender os processos que envolvem a variação geográfica em frequências do gene e em características fenotípicas. Entretanto, processos culturais, como variação clinal da frequência gênica, podem gerar padrões geográficos em fenótipos comportamentais. A variação clinal nas características comportamentais atribuídas à cultura foi relatada para o comportamento de primatas, o canto de pássaros, as vocalizações de baleia e para a linguagem humana. Uma terceira característica desafiadora da transmissão cultural é que, sob circunstâncias restritas, informações arbitrárias e mesmo não adaptativas podem se disseminar. Mais uma vez, isto é bem documentado em humanos, nos quais hábitos de redução do desempenho, tais como o fumo ou o uso de contraceptivo, podem se tornar moda. Entretanto, há exemplos nos quais traços arbitrários e não adaptivos parecem se espalhar também entre os animais. Um exemplo são as cascatas informativas, nas quais os indivíduos tomam decisões comportamentais baseadas em decisões prévias de outros indivíduos. Se os animais pensam que um determinado comportamento deve ser bom porque outros o estão praticando, então isso pode resultar em todo tipo de tradições arbitrárias. Um estudo sobre o galo silvestre Centrocercus urophasianus concluiu que as decisões das fêmeas que usavam a informação social para decidir com qual parceiro iriam se acasalar eram menos relacionadas às características dos machos, indicadoras de qualidade, do que as decisões tomadas com seus próprios julgamentos sobre os machos. Essa imitação de escolhas de parceiros obscurece a relação entre a qualidade do macho e o sucesso do acasalamento, o que resulta em “modas” passageiras imprevisíveis nas características que as fêmeas acham atraentes e numa intensidade mais baixa da seleção sexual. Isso não quer dizer que a capacidade para a aprendizagem social é um traço não adaptativo, mas, pelo contrário, que a transmissão e a aquisição ocasional de informação não adaptativa são um subproduto inevitável de um sistema de ganho de conhecimento extremamente adaptativo.

Além disso, as tradições culturais frequentemente impactam o ambiente de forma a modificar a seleção que atua na população, um caso de construção de nicho. Isso é mais óbvio em humanos e grande parte da teoria matemática de biólogos e antropólogos evolutivos investigou a co-evolução de gene-cultura, por meio do qual os traços culturais humanos modificam o ambiente seletivo. Um bom exemplo é a prática cultural das fazendas de produção de leite e derivados, que previamente disseminou o alelo para a absorção da lactose, criando o contexto ambiental em que este gene foi favorecido em algumas sociedades de criadores de animais. Interações similares ocorrem em outros animais: os modelos teóricos da imitação da escolha de parceiros revelam que as preferências aprendidas poderiam plausivelmente co-evoluir com as características de base genética, os modelos de canto de pássaros sugerem que a aprendizagem do canto afeta a seleção dos alelos que influenciam a aquisição e a preferência da canção, e outros modelos concluíram que a aprendizagem social animal poderia levar à evolução do parasitismo da ninhada, afetar os níveis de diversidade genética e facilitar a especiação. 

Tal co-evolução gene-cultura é sugerida pela observação de que a frequência do uso da aprendizagem social varie conjuntamente com o tamanho do cérebro em primatas não-humanos. Parece que os primatas com cérebro grande se imitam mais do que primatas de cérebro menor; eles também inovam mais no comportamento. Isso sugere que a habilidade de aprender com o outro e o desenvolvimento de novas soluções para problemas desafiadores podem ter dado aos primatas individualmente uma vantagem seletiva na luta pela sobrevivência. Já que essas habilidades são, sem dúvida nenhuma, calcadas no substrato neural, é possível que as capacidades para o aprendizado social e a inovação possam ter levado à evolução do cérebro nos primatas, culminando no Homo sapiens, o primata mais inovativo, mais dependente culturalmente e com o maior cérebro. 

Em resumo, processos culturais em uma vasta gama de espécies animais exibem uma quantidade de propriedades que mudam a dinâmica evolutiva, incluindo o descolamento do comportamento dos animais de seus ambientes ecológicos, gerando padrões geográficos nas características fenotípicas, permitindo a disseminação de características arbitrárias e mesmo não adaptativas, influenciando as taxas e as trajetórias evolutivas e modificando a seleção para antecipar e direcionar eventos evolutivos. Essa maneira diferente de adaptação e de evolução não é única dos humanos, mas é compartilhada com muitas outras espécies capazes da aprendizagem social, incluindo espécies pouco relacionadas a nós. A cultura animal é muito mais do que uma janela para a humanidade: é um jogada evolutiva (evolutionary player). 

 

O debate sobre culturas animais

Os grupos de macacos-prego-de-cara-branca da Costa Rica exibem convenções sociais extraordinárias e bizarras, cheirando as mãos uns dos outros e colocando os dedos na boca uns dos outros; comportamentos não observados em outras populações de macacos-prego. Alguns orangotangos em Bornéu fazem “bonecas” com uma trouxa de folhas, outros usam ferramentas como estimulantes sexuais, e ainda outros orangotangos comem framboesas na hora de dormir. Baleias corcundas de regiões diferentes cantam canções diferentes, como os fazem pardais de coroa branca e muitas outras espécies de pássaros. 

A primeira vista, tais relatos de diferenças comportamentais entre os membros de uma espécie que vivem em locais diferentes são sugestivos de variação cultural humana. Como os povos de diferentes regiões do mundo comem alimentos diferentes, têm costumes variados e falam línguas diferentes, alguns animais também parecem ter tradições locais. Muitas evidências circunstanciais e algumas experimentais sugerem que essas tradições são aprendidas dos outros e transmitidas através das gerações. Mas será que as semelhanças entre as culturas animais e aquelas de humanos são significativas ou superficiais? 

Parte da discórdia sobre a cultura animal é relativa à definição, o que reflete perspectivas diversas entre as disciplinas acadêmicas: aqui os biólogos tendem a empregar definições menos minuciosas do que o fazem os antropólogos. Entretanto, a controvérsia se acentua na evidência necessária para se estabelecer que a variação comportamental intraespécies resulta mais do aprendizado social do que de diferenças genéticas ou da maneira com que as diversas ecologias moldam o desenvolvimento comportamental. Os pesquisadores variam no grau em que estão dispostos a confiar em evidências circunstanciais e em argumentos plausíveis, sendo que os experimentalistas de laboratórios e os pesquisadores de campo frequentemente tomam lados opostos. Chimpanzés comuns, por exemplo, são muito bons na aprendizagem social; demonstrações experimentais em cativeiro mostram claramente que eles são capazes de transmitir habilidades aprendidas de forrageamento para as populações, enquanto no campo os repertórios comportamentais variam entre as populações, com os jovens passando muitas horas ao lado de adultos competentes no forrageamento, antes de adotarem variações locais. Ou seja, o apoio circunstancial para a cultura do chimpanzé é forte. Entretanto, para nenhum comportamento natural de chimpanzés, incluindo a captura de cupins e a quebra de castanhas, existe provas conclusivas de que seja aprendido socialmente. 

É provável que essa questão seja solucionada dentro da próxima década, à medida que novos métodos matemáticos e experimentais forem desenvolvidos para identificar a aprendizagem social nas populações animais. Muitas dessas ferramentas, que incluem uma gama de métodos estatísticos, estão atualmente em andamento e são a grande promessa para o futuro. Inúmeras espécies, desde o pássaro ostraceiro até orangotangos, exibem variação interpopulacional em seus repertórios comportamentais e, com toda a probabilidade, a próxima década confirmará que uma parte importante dessa variação é cultural.

 

Mecanismos da cultura

As tradições comportamentais não são restritas aos animais inteligentes ou com cérebros grandes: estudos de laboratório e de campo indicam que a capacidade de aprendizagem social é taxonomicamente difundida entre os animais, incluindo os invertebrados. Existem agora, literalmente, centenas de relatos sobre novos padrões de comportamento que aumentam de frequência ao longo do tempo, de modo rápido demais para ser plausivelmente interpretado como manifestações da seleção, da migração ou da demografia. Parece que tais animais devem aprender o novo comportamento e, para todos os efeitos, eles parecem estar aprendendo uns com os outros. Combinado com a variação comportamental interpopulacional, acima mencionada, os dados de campo indicam que a aprendizagem social é difundida. 

Nós também podemos estar relativamente certos de que a aprendizagem social animal é multifacetada em seus mecanismos essenciais. Estudos de laboratório, conduzidos, na maioria das vezes, por psicólogos experimentais, revelam inúmeros modos através dos quais um animal pode aprender com o outro. A questão se os animais aprendem por imitação atraiu um nível de interesse especialmente alto, já que frequentemente se assume que a imitação é baseada em processos cognitivos complexos – tais como a habilidade de se compreender o que o outro está fazendo, ou de adotar a perspectiva do outro, ou mesmo a percepção consciente – suposições que permanecem altamente controversas. Todavia, evidências relativamente fortes sobre imitação foram produzidas para uma variedade de espécies de pássaros, primatas e cetáceos. 

Muito esforço se perdeu na definição de processos alternativos de aprendizagem social que podem, superficialmente, se assemelhar à imitação, e que devem ser desprezados se os pesquisadores isolarem os casos de aprendizagem de imitação “verdadeira”. Consequentemente, há um excesso de termos usados para descrever fenômenos de aprendizagem social distintos, incluindo a intensificação local, o aumento do estímulo, o contágio, a emulação, o acondicionamento observacional, e a facilitação social (veja Box 1). Esses e outros termos foram organizados em vários sistemas de classificação, mas há pouco consenso na área sobre a terminologia ou o mecanismo essencial: na verdade, uma considerável confusão e grandes diferenças de opinião permanecem. 

Por exemplo, a “imitação” é frequentemente descrita como sendo complexa, e a “intensificação local” como simples, porque, intuitivamente, reproduzir um padrão motor através da observação parece ser mais desafiador do que ter a atenção direcionada para um local. Entretanto, atualmente existe pouca base neurocientífica na pesquisa sobre aprendizagem social e os processos descritos nas classificações não são vinculados aos mecanismos neurais. Na ausência de uma compreensão biológica forte, tal uso de termos como “simples” e “complexo” pode ser extremamente enganoso. É, por exemplo, plausível que grande parte do fenômeno da aprendizagem social possa ser compreendida como o resultado de um único mecanismo psicológico, a pré-ativação (em que a experiência tem, pelo menos, um efeito provisório nas probabilidades relativas de se evocar as representações mentais armazenadas). 

Igualmente importante ao debate é a frequência relativa de alternativas aos processos de aprendizagem social no mundo natural. Por exemplo, é sabido que os processos de intensificação local e de estímulo são comuns e que a imitação é rara na natureza (veja Box 1 para definições). Entretanto, uma revisão recente encontrou apenas um punhado de casos que poderiam inequivocamente ser designados nas categorias anteriores, enquanto que a aparente raridade da imitação poderia meramente refletir o ponto de vista, amplamente adotado dentro da área, de que a imitação só pode ser reivindicada quando os processos alternativos forem desconsiderados. Ironicamente, a Facilitação da resposta, um processo que relativamente poucos pesquisadores de aprendizagem social sequer identificam é, certamente, aquele que detém maior suporte empírico. Mesmo a suposição de que um ou outro desses processos explicará a maioria dos casos naturais de aprendizagem social animal é contestável: em qualquer circunstância, processos múltiplos podem estar operando, enquanto pode haver pouca confiança em sistemas de classificação atuais que não se sobreponham ou estejam completos. Mais uma vez, entretanto, há espaço para se acreditar que essas incertezas estarão superadas num futuro próximo, já que os estudos experimentais que dissociam os processos alternativos da aprendizagem social aparecem cada vez mais. 

 

Evolução da cultura

A dimensão através da qual as habilidades de aprendizagem dos animais são moldadas pela seleção natural em resposta aos desafios ecológicos espécie-espécie ou aos processos gerais que variam pouco através dos taxa tem sido, por muito tempo, motivo de disputa. Esta questão está posta no centro do debate entre etólogos e psicólogos comparativos dos anos 1940 aos anos 1960, e reemergiu em discussões recentes da psicologia evolutiva e da ecologia cognitiva. No entanto, começa a surgir algum consenso. Enquanto muitos mecanismos de aprendizagem forem extremamente gerais, haverá pouca evidência para os mecanismos psicológicos que guiam e direcionam a aprendizagem e os processos perceptivos associados em resposta a problemas ecológicos específicos. Por exemplo, pássaros com hábitos de estocagem de sementes (scatter-hoarding) como o melharuco azul Parus caeruleus podem armazenar e recuperar muitas centenas de itens alimentares, enquanto membros do mesmo gênero que não estocam alimentos parecem não possuir essa capacidade de memória espacial. Existem especializações similares de adaptação na aprendizagem social. Quando expostos a canções de várias espécies, jovens de algumas espécies de pássaros têm preferência por aprenderem canções co-específicas, enquanto diversos macacos parecem estar predispostos ao medo de cobras (ao contrário de outros objetos), por seleção natural prévia, ao verem outros macacos temerem a presença de uma cobra.

Um exemplo particularmente instrutivo é um estudo experimental sobre o uso de informação pública (a habilidade de avaliar a qualidade de um recurso com base no sucesso de outros indivíduos) em duas espécies estreitamente relacionadas de esgana-gata (figura 1). Isabelle Coolen e colegas, recentemente, descobriram que os esgana-gata de nove espinhas, após observarem o comportamento alimentar de peixes co-específicos ou hetero-específico em duas manchas de alimentos, e quando testados separadamente, tendem a se aproximar do local da mancha de alimento mais rica. Como sua experiência observacional era restrita ao sucesso relativo aos peixes demonstradores, e as explicações alternativas potenciais poderiam ser desconsideradas, as autoras acreditam que a espécie de nove espinhas era capaz de usar a informação pública. Entretanto, os esgana-gata de três espinhas, quando sujeitos ao mesmo experimento, nadaram com a mesma frequência para as manchas ricas e pobres em alimento. Essas espécies foram coletadas nos mesmos córregos, frequentemente do mesmo cardume, e comem alimentos similares. 

Por que uma espécie, e não a outra, deve exibir uma forma específica de aprendizagem social? A resposta para esse enigma vem de uma fonte surpreendente: análises matemáticas de vantagens adaptativas da cultura humana. Os antropólogos californianos Rob Boyd e Peter Richerson postularam a hipótese da informação de alto custo, que propõe um intercâmbio evolutivo entre a informação confiável adquirida pelo indivíduo, porém de alto custo, e a informação social transmitida socialmente, potencialmente menos confiável e mais barata. Neste caso, o custo relativo de se adquirir informação individualmente varia entre as duas espécies de esgana-gata, o que determina o valor da informação pública.  A espécie de três espinhas possui espinhas grandes e placas que formam uma armadura no corpo, defesas estruturais robustas que permitem experimentarem manchas alternativas de alimento, em relativa segurança. Tal amostragem com indivíduos da espécie de nove espinhas, que têm defesas físicas mais frágeis, indica que eles ficariam vulneráveis à predação e, portanto, em termos de desempenho, seria extremamente custoso. Consequentemente, a espécie de nove espinhas passa a maior parte do tempo em refúgio, de onde a seleção aparentemente favorece a habilidade de monitorar indivíduos melhor sucedidos. Pesquisas adicionais confirmam que a diferença nessa espécie é robusta. De fato, acumulam-se evidências consideráveis entre peixes, pássaros e mamíferos de que os animais ignoram a informação social sob circunstâncias específicas e previsíveis. Por exemplo, os esgana-gata de nove espinhas ignoram a informação pública se tiverem informação pessoal confiável e atual, contudo exploram a informação pública se sua informação pessoal for incerta ou desatualizada. A informação social e pessoal não tem o mesmo peso e os animais vão avaliar entre as duas de modo condicional, de acordo com a confiabilidade e custos respectivos. Regras evoluídas, rotuladas como estratégias de aprendizagem social, ditam as circunstâncias sob as quais os indivíduos imitam os outros e quando confiam na sua experiência pessoal. 

Em tal regra – imitar quando a aprendizagem anti-social é cara – já tem sido descrita para esgana-gata, mas é provável que haja muitas estratégias de aprendizagem social na natureza (obedecer, imitar os indivíduos mais bem sucedidos, imitar qualquer um que faça melhor do que você, e assim por diante) e os pesquisadores estão, apenas agora, começando a estudá-las. 

O estudo da cultura animal tem revelado uma interação fascinante e rica entre dois sistemas de herança – genes e cultura – nos quais cada um, em certa medida, foi moldado pelo outro.

Processos de aprendizagem social: definições e exemplos 

Aprendizagem social: qualquer processo através do qual um indivíduo (“o demonstrador”) influencia o comportamento de outro indivíduo (“o observador”) de modo a aumentar a probabilidade de o observador aprender. 

Vários processos de aprendizagem social já foram propostos, incluindo: 

Intensificação local: o demonstrador atrai inadvertidamente um observador para um local específico, resultando na aprendizagem deste. Por exemplo: peixes lebiste jovens seguem indivíduos informados até o alimento.

Intensificação de estímulo: o demonstrador inadvertidamente expõe o observador a um estímulo particular, o que leva ao aprendizado do observador. Por exemplo: pássaro melharuco azul aprende a abrir a tampa de garrafas de leite mais rapidamente depois de ter sido exposto a garrafas abertas por outros pássaros.

Condicionamento observacional: uma demonstração de comportamento inadvertidamente expõe um observador à relação com estímulo, o que permite com que o observador faça uma associação entre ambos. Por exemplo: melros aprendem a reconhecer os predadores através da observação de grupos de pássaros se mobilizando contra objetos não familiares.

Facilitação de resposta: a presença de um demonstrador atuando aumenta a probabilidade de um animal que o veja fazer o mesmo, o que leva ao aprendizado do observador. Por exemplo: a taxa com que as galinhas iniciam surtos de limpeza de plumagem estão fortemente relacionadas ao número de aves que já estão realizando limpeza das plumas no mesmo local.

Imitação contextual: através da observação de um demonstrador atuando em um contexto determinado, o observador terá mais chances de atuar daquela forma no mesmo contexto. Por exemplo: pombos que observam os demonstradores ciscando em um pedal em busca de recompensas alimentares têm mais chances de resolverem a tarefa através do uso do método observado.

Imitação de produção: depois de observar o demonstrador atuando de uma nova forma, com a sequência ou combinação de ações, há mais chances do observador agir da mesma forma ou usando a mesma sequência de ações. Por exemplo: Humanos aprendem os golpes de tênis e aprimoram o swing do golfe através da observação de técnicos do esporte.

Emulação: depois de observar o demonstrador interagindo com objetos em seu ambiente, o observador tem mais chances de ser persuadido a reproduzir um efeito semelhante com esses objetos. Por exemplo: chimpanzés aprendem a obter comida que esteja fora de seu alcance com uso de ferramenta depois de observar o demonstrador, mas não reproduzem seu padrão motor.

 

Kevin Lalan é biólogo, professor e chefe do Laboratório de Aprendizagem Social e Evolução da Universidade de St Andrews, na Escócia. Email: knl1@st-andrews.ac.uk. Este artigo foi originalmente publicado em ingles no periódico Current Biology, Vol.18, no.9, 2008.

 

Leia mais:

Boyd, R., and Richerson, P.J. (1985). Culture and the evolutionary process (Chicago: Chicago University Press).  

Byrne, R.W., Barnard, P.J., Davidson, I., Janik, V.M., McGrew, W.C., Miklósi, A., and Wiessner, P. (2004). “Understanding culture across species”. Trends Cogn.Sci. 8, 341–346.  

Coolen, I., Day, R.L., and Laland, K.N. (2003). “Species difference in adaptive use of public information in sticklebacks”. Proc. Roy. Soc. Lond. Vol.B270, pp.2413–2419.  

Heyes, C.M., and Galef, B.G. Jr. (1996). Social learning in animals: the roots of culture.  (San Diego: Academic Press).  

Hoppitt, W., and Laland, K.N. (2008). Social processes influencing learning in animals: a review of the evidence. Adv. Stud. Behav.,  in press.  

Laland, K.N.(2004). “Social learning strategies”. In special edition on Studies of Social Learning and Imitation, B.G. Galef Jr. and C.M. Heyes., eds. Learn. Behav. 32, 4–14.  

Laland, K.N., and Janik, V. (2006). “The animal cultures debate”. Trends Ecol. Evol. 21, 542–547. School of Biology, University of St. Andrews, Bute Medical Buildings, Westburn Lane,  Fife KY16 9TS, UK.