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ComCiência

On-line version ISSN 1519-7654

ComCiência  no.132 Campinas  2011

 

ARTIGO

 

Estimativa de impacto financeiro entre 2011 e 2020

 

 

José Marcelino de Rezende Pinto

 

 

Como ensina a ciência do bom planejamento, a única forma de tornar factível um plano educacional (ou em qualquer outra área) é partir de um diagnóstico objetivo da realidade, em relação ao qual se fixam metas e prazos para o seu alcance e, finalmente, calculam-se os recursos necessários para a sua efetiva implementação, definindo-se as responsabilidades dos entes federativos. Como se sabe, tudo isso faltou ao projeto de lei (PL) 8035 de 2010 enviado pelo poder Executivo ao Congresso Nacional.

Portanto, o esforço deste breve artigo é, a partir das metas constantes no PL, e com base em dados obtidos junto às fontes oficiais, analisar o impacto financeiro do plano tendo como pressuposto uma ampliação no atendimento, um esforço de superação dos déficits de escolaridade acumulados e uma melhoria progressiva no padrão de gasto por aluno. Ele é parte de um esforço mais amplo de pesquisadores e entidades da sociedade civil que participaram da Conferência Nacional de Educação (Conae), com apresentação de emendas – consolidadas em seu documento final (Conae, 2010) –, e que defendem que o PNE deve ser o mais fiel possível às deliberações tomadas pelos 2.416 delegados de todo o país presentes nessa conferência.

Como parte dessa mesma tentativa, deve-se destacar a nota técnica elaborada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE, 2011). Inicialmente, listam-se algumas metas do PL1 com maior impacto no financiamento:

1. Faixa de 0 a 3 anos: taxa de atendimento de 50% até 2020;

2. Faixa etária de 4 a 5 anos: 100% de atendimento até 2016;

3. Faixa etária de 6 a 14 anos: 100% de atendimento imediato;

4. Faixa etária de 15 a 17 anos: 100% de atendimento até 2016;

5. Educação integral: 50% matrícula da educação básica;

6. Faixa etária de 18 a 24 anos: 12 anos de estudo;

7. População 15 anos ou mais: 93,5% alfabetizada (2015) e 100% (2020);

8. População 15 anos ou mais: reduzir à metade a taxa de analfabetismo funcional;

9. Educação de jovens e adultos (EJA): 25% da matrícula integrada à educação profissional (ensino fundamental – EF – I e II e ensino médio – EM);

10. Duplicar a matrícula na educação profissional técnica;

11. Educação superior: taxa bruta de 50% e líquida de 33% da faixa de 18 a 24 anos;

12. Pós-graduação: titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores;

13. Professores educação básica (EB): 100% nível superior;

14. Profissionais do magistério: rendimento próximo àquele dos demais profissionais com escolaridade equivalente.

Para se ter uma dimensão do impacto dessas metas, e mesmo sem entrar no mérito de sua adequação (por exemplo: por que reduzir apenas à metade o analfabetismo funcional?), basta dizer que somente as metas indicadas nos itens entre 1 e 8 implicariam a inclusão de mais de 33 milhões de pessoas no sistema educacional. Metas como aquelas indicadas nos itens de números 10 e 11, por sua vez, representam um grande impacto financeiro, em especial se observarmos que a expansão de vagas, noBrasil, deve ocorrer essencialmente na rede pública, como é o pressuposto deste artigo. Por fim, tem um impacto financeiro significativo a meta indicada no item 14, que possui enorme potencial para alterar definitivamente a qualidade da educação brasileira, uma vez que a qualidade do professor é o grande fator responsável pela qualidade do ensino. Dados do Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2009, indicam que um professor dos anos finais do ensino fundamental, com formação em nível superior, cujo salário médio mensal era de R$ 1.603,00, ganhava menos que um caixa de banco (profissão que não exige nível de formação mínimo), ou que um técnico em química (formação em nível médio). Também representava 3/4 do que ganhavam os jornalistas e menos da metade do rendimento de economistas, administradores ou advogados (Alves e Pinto, 2011). Como os salários dos professores e demais profissionais do magistério (diretores, coordenadores pedagógicos) representam cerca de 2/3 dos gastos com educação, colocá-los no patamar de remuneração dos profissionais com nível de formação equivalente (ou seja, nível superior, particularmente considerando a meta constante no item 13), implica praticamente dobrar os seus salários, com impacto diretamente correspondente a esta participação nos investimentos educacionais que devem ser feitos pelo país.

 

Construindo um cenário que garanta expansão com qualidade

Tendo como diretriz geral a ampliação da oferta com melhoria progressiva do gasto por aluno como forma de assegurar padrão básico de qualidade de ensino para todos e remuneração docente equivalente a profissionais com nível de formação equivalente, e tendo por base os indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) sobre as condições da oferta educacional no país, construímos um modelo que trabalha com dois horizontes: 2016 e 2020, o que não acontece com a proposta do Executivo. Como se sabe, a definição de metas intermediárias é fundamental para o sucesso de qualquer plano. Neste artigo, optou-se por trabalhar com dois anos de referência, mas o ideal seria a fixação de metas intermediárias a cada dois anos. Outra questão importante: no modelo proposto, a expansão da oferta será dada essencialmente através das redes públicas de ensino. Vejamos agora o desenho do cenário para os próximos 10 anos.

A- Metas de expansão do atendimento:

1- Na educação infantil:

a- Creche: mantendo-se a matrícula privada nos níveis de 2010; atingindo-se 30% de atendimento da faixa de 0 a 3 anos, em 2016 e 50%, em 2020.

b- Pré-escola: 100% de atendimento na faixa 4 e 5 anos em 2016; com 90% da matrícula pública.

2-No ensino fundamental e médio: atendimento de 100% da população de 6 a 17 anos (até 2016), com 90% da matrícula na rede pública.

3-Educação especial: atendimento do equivalente a 3% da matrícula da educação básica (2016) e 5% em 2020.

4- Ampliação do tempo integral na educação básica:

a- Creche: 60% em 2016 e 80% em 2020

b- Pré-escola, ensino fundamental e ensino médio: 30% em 2016 e 50% em 2020.

5- Expansão da educação de jovens e adultos (EJA) na rede pública:

a- No ensino fundamental (EF): dobrar a matrícula até 2016 e crescer 2,5 vezes até 2020;

b- Ensino médio (EM): triplicar a matrícula até 2016 e quintuplicar até 2020;

c- EJA com formação profissional: 25% da matrícula dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio de EJA integrada à formação profissional;

6- Educação profissional: ampliar a matrícula pública em 2,5 vezes até 2016, chegando a 2 milhões de alunos em 2020.

7- Educação superior: Ampliação da taxa bruta de matrícula para 31% em 2016 e para 50%, em 2020, garantindo-se 50% do atendimento público (hoje é de apenas 25%), o que implica em mais do que quadruplicar a matrícula pública no período de dez anos;

8- Pós-graduação: matrícula de 150 mil, em 2016, e de 300 mil, em 2020, para garantir a titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores no final da década (hoje á matrícula é de 81 mil).

B- Metas de ampliação no gasto por aluno

Como já observado, a única forma de ampliar significativamente a remuneração dos profissionais da educação e dar um salto no padrão de qualidade das condições de oferta do ensino – condição necessária, embora não suficiente, para a melhoria sua qualidade –, é uma ampliação no valor gasto por aluno no país. O gráfico 1, construído a partir de dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), indica que o valor investido por ano em um estudante dos Estados Unidos corresponde a seis anos de um estudante brasileiro. No caso da média dos países da OCDE, esse fator é de quase quatro vezes. Mesmo comparado ao Chile e México, nosso gasto por aluno é cerca de 25% inferior.

 

 

Portanto, não há como melhorar a atratividade da carreira e as condições de oferta sem uma ampliação significativa no gasto por aluno. A tabela 1, a seguir, apresenta os valores considerados neste modelo, para as diferentes etapas e modalidades de ensino, considerando ainda as jornadas em tempo integral e parcial. Os valores do gasto por aluno são apresentados como porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) per capita (colunas 2 e 3) e em reais, estimados para os anos de 2016 e 2020 (colunas 4 e 5). Esses valores de gasto por aluno, considerando o PIB per capita, colocam o Brasil em patamares equivalentes ao esforço dos países desenvolvidos (cujo gasto por aluno na educação básica situa-se entre 20 e 30% do PIB per capita por aluno). Contudo, como o PIB per capita desses países é muito maior, o mesmo esforço de gasto em relação ao PIB per capita, implica, em moeda corrente, valores muito menores. Por exemplo, considerando valores de 2010, 20% do PIB per capita dos Estados Unidos equivale a US$ 9.400, enquanto 20% do PIB per capita do Brasil corresponde a R$ 3.800.

Sobre a tabela 1, cabe comentar algumas considerações feitas. Em primeiro lugar, considerou-se que os gastos por aluno realizados na educação de jovens e adultos (EJA) são equivalentes àqueles feitos no ensino chamado regular, pois, do ponto de vista dos custos, não há justificativa para as atuais diferenças presentes, por exemplo, nos fatores de ponderação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fundeb). Com relação à educação profissional, estimou-se um gasto por aluno 50% acima do ensino médio em tempo integral. Quanto à educação especial, estimou-se um adicional de 50% acima do gasto por aluno do ensino fundamental integral (anos iniciais), levando-se em conta que o aluno deficiente é também contado para efeito de gasto na etapa de ensino em que ele se encontra. Assim, para cada aluno do ensino médio integral em processo de inclusão seriam investidos, em 2016, 54% do PIB per capita (24% + 30%). Por fim, para a EJA profissionalizante, considerou-se um adicional de 50% em relação, respectivamente, ao ensino fundamental integral (anos finais) e ao ensino médio integral. Embora haja certa arbitrariedade nessas estimativas, podemos afirmar que os valores são coerentes com os estudos que temos feito, no âmbito da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para estimar os custos de uma educação em tempo integral que assegure padrões básicos de qualidade. A educação superior é a única etapa em que se prevê uma progressiva queda no gasto por aluno, coerente com um ganho de escala do sistema, mas preservando a qualidade.

C- Estimando os valores necessários para a implementação das metas

Chegado a este ponto do trabalho, e tendo por base as metas de expansão estabelecidas no item "A" e os gastos por aluno constantes na tabela 1, elaborou-se a tabela 2 que estima o custo total da implementação dessas metas para os anos de 2016 e de 2020. A evolução do PIB foi estimada tendo por base os cálculos da Secretaria do Tesouro Nacional (Brasil, 2010) e, para a evolução da população, foram utilizadas as estimativas do IBGE.

Os dados apontam para uma estimativa de gastos da ordem de 7,2% do PIB, em 2016 e de 10,1% do PIB, em 2020, índices bem próximos daqueles constantes no documento final da Conae. Cabe comentar que, não obstante a grande demanda de recursos necessários para uma expansão com qualidade da educação superior pública (graduação e pós-graduação), os gastos com essa etapa representam 23% do total, índice bem próximo da média praticada pelos países desenvolvidos. Resta a pergunta: é possível o Brasil investir percentuais crescentes do PIB até atingir 10% do PIB, em 2020? Para um país cuja carga tributária, nas últimas duas décadas, saiu de 24% do PIB e foi para 35% do PIB, sem que a educação em quase nada se beneficiasse desse crescimento, entendemos que seja factível, embora politicamente complexo, dar esse salto nos investimentos educacionais. Destinar à educação, um pouco mais da quarta parte de tudo que se paga de tributos no país é uma meta que, com certeza, encontra respaldo junto à população. Para viabilizá-la, é fundamental que haja uma redução nos atuais gastos com pagamentos de juros e encargos da dívida pública e um corte dos incentivos fiscais, além do combate à sonegação e à guerra fiscal entre entes federados. Além disso, é fundamental que a União amplie significativamente sua participação no financiamento da educação no país. Embora ela fique com mais da metade do que arrecada, sua participação nos gastos com educação corresponde a cerca de um quarto do total. Por fim, a necessidade de investimentos da ordem de 10% do PIB decorre do pequeno valor do PIB brasileiro e dos anos de subinvestimento educacional. Espera-se que o próprio desenvolvimento do país, potencializado por esse maior investimento na educação básica e superior, permita, ao longo dos anos após 2020, uma progressiva queda no investimento total em relação ao PIB, sem perda de qualidade, corrigidos os atrasos históricos, em especial no que se refere à educação de jovens e adultos, até que o país estabilize seus investimentos educacionais em patamares entre 6% e 7% do PIB, como ocorre hoje com os países ricos.

 

Referências

Alves, T.; Pinto, J.M.R. "Remuneração e características do trabalho docente no Brasil: um aporte dos dados do Censo Escolar e da PNAD". Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), v.41, n.143, 2011.

Brasil. Relatório resumido da execução orçamentária – demonstrativo da projeção atuarial do regime geral de previdência social – orçamento da seguridade social - 2010 a 2044 - SPS/MPS e SPE/MF. Disponível em www.tesouro.fazenda.gov.br, último acesso set de 2011.

CNDE. Nota Técnica. "Por que 7% do PIB para a educação é pouco?" São Paulo, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, 2011. Disponível em http://arquivo.campanhaeducacao.org.br/noticias/NotaTecnica_10PIB_Campanha_17ago2011.pdf , último acesso set de 2011.

Conae. Construindo um sistema articulado de educação. O Plano Nacional de Educação, diretrizes e estratégias de ação. Documento Final. Brasília, 2010.

Pinto, J.M.R. ; Alves, T . O impacto financeiro da ampliação da obrigatoriedade escolar no contexto do Fundeb. Educação e Realidade, v. 36, p. 605-624, 2011.

 

 

José Marcelino de Rezende Pinto é docente da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

 

 

1 A numeração a seguir é meramente didática e não coincide com a numeração das metas constante no PL 8035/2010.