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ComCiência

versión On-line ISSN 1519-7654

ComCiência  no.127 Campinas abr. 2011

 

REPORTAGEM

 

Tecnologia e conhecimento: a migração dos acervos para a web

 

 

Carolina Octaviano

 

 

O surgimento da rede mundial de computadores e o desenvolvimento tecnológico que se deu, principalmente, a partir da década de 1990, proporcionaram uma maior agilidade e facilidade de comunicação e de se obter informações, revolucionando não somente o modo de se comunicar, mas também de buscar o conhecimento. E foi nesse cenário que as bibliotecas e as obras raras migraram para o formato digital. Se, num passado distante, o conhecimento era restrito, centralizado e focalizado em determinados grupos sociais, hoje, o que ocorre é justamente o acesso ampliado para um público cada vez maior.

“Com a intensificação do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) na área de ciência da informação, a partir dos anos 80, e com a abertura da rede internet na década de 90, as bibliotecas passaram a considerar, sob uma nova ótica, a questão da manutenção dos seus acervos e do acesso à informação, agora via web”, explica Rosaly Fávero Krzyzanowski, bibliotecária, especialista em ciência da informação na área de saúde e coordenadora da Biblioteca Virtual do Centro de Documentação e Informação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), no artigo “Bibliotecas e portais de conteúdos científicos, tecnológicos e culturais – recursos para ampliar a visibilidade da informação na web”, publicado na revista Ciência & Ambiente (nº 40, 2010).

Ainda segundo Krzyzanowski, “A passagem dos textos dos livros, periódicos, jornais – entre outros documentos – para a tela do computador rompe as estruturas do texto escrito e gera profunda transformação na materialidade desses. É a passagem do texto em suporte papel para o suporte eletrônico, que oferece novas possibilidades para o registro e uso da informação”.

Luiz Atílio Vicentini, coordenador do Sistema de Bibliotecas e da Biblioteca Central (César Lattes) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), considera importante o processo de digitalização de obras de difícil acesso como forma de conservação dessas obras e de ampliação do conhecimento: “essas iniciativas vêm de encontro à democratização do acesso ao conhecimento, pois estamos diante de uma sociedade que ‘consome’ constantemente mais e mais informações”, afirma. Ângela Monteiro, coordenadora da Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional, (FBN), confirma essa preocupação em democratizar o conhecimento e também em preservar essas obras que antes eram de acesso restrito. “Além de facilitar e democratizar o acesso, a digitalização também contribui para a preservação física da obra, na medida em que evita o manuseio, e para a preservação do conteúdo informacional na medida em que o difunde e o dissemina”.

De acordo com Vicentini, o que dificulta o processo de transformação para o formato digital das obras raras é justamente a complexidade da conversão, se comparada a uma obra impressa atual, pelas características de formato e impressão que elas apresentam, que demanda um trabalho específico e mais demorado. Ele lembra os altos custos da criação de uma infraestrutura que permita o trabalho de digitalização de obras raras. Além disso, até pouco tempo não havia empresas privadas, órgãos de fomento e bancos que financiassem a instalação de laboratórios de digitalização nas instituições. Apesar desses percalços, ele acredita que o Brasil não esteja atrasado nesse processo, que tem como pioneiros a França e os Estados Unidos. Marta Valentim, doutora em ciências da comunicação pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), não concorda com Vicentini, para ela o Brasil está sim atrasado em relação ao cenário internacional, e bastante, e diz que países como Alemanha, Canadá, Estados Unidos e Inglaterra estão à frente. Na opinião de Valentim isso se deve ao alto custo que a digitalização desse tipo de obra envolve. “Essa situação está diretamente relacionada a recursos financeiros, é caro digitalizar e preservar obras raras, exige a aplicação de tecnologias de informação e comunicação próprias para isso, bem como pessoal especializado para trabalhar com esse material”.

Valentim explica a complexidade e os processos aos quais as obras exclusivas e raras – que requerem inúmeros cuidados – devem ser submetidas, no processo de digitalização e preservação, em cada uma das etapas: “é necessário pensar na matriz da obra que será preservada, bem como na armazenagem dela, o que requer equipamento e estrutura tecnológica específicas para esse fim. É importante também definir o formato em que a obra será armazenada e acessada. Outro fator a ser pensado é relativo à resolução da obra digitalizada (o máximo de qualidade possível), e na resolução para acesso, que deve ser compatível com a capacidade de o usuário final ter uma imagem de qualidade quando capturar o elemento da internet. Porém, esse download tem que ser, ao mesmo tempo, rápido. É também necessária, mas aí, por parte dos usuários, a utilização de softwares para a captura, vizualização, navegação, impressão, etc”.

Para Vicentini, nem mesmo os desafios enfrentados pela tecnologia da digitalização diante da fragilidade e antiguidade de algumas obras raras, cuja manutenção física é cercada de cuidados, devem ser vistos como um empecilho para a mudança do impresso para o digital. “Eu diria que a digitalização está a favor da preservação dessas obras, pois existem equipamentos apropriados para esse processo, mesmo para esse tipo de documento”, mas o coordenador das bibliotecas da Unicamp ressalta que o que precisa ser feito com certa antecedência é a restauração de obras raras, antes de digitalizar. Essa “restauração tem crescido nacionalmente, pois já existe apoio financeiro para esse tipo de trabalho”, confirma o pesquisador.

Embora o processo de digitalização pareça consolidado, como saída para conservação do acervo das bibliotecas e, principalmente, das obras que tenham valor especial, seja pela especificidade de sua concepção, seja por sua antiguidade – além de ser o melhor meio de garantir o acesso do público geral a esses acervos –, ainda há poucos projetos no Brasil. Entre eles, Vicentini cita o projeto da Biblioteca Nacional, que participa do projeto de construção da Biblioteca Digital Mundial (World Digital Library), coordenado pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos e disponibiliza raridades como a Bíblia Mogúncia (uma das obras impressas mais antigas do mundo), gravuras de Debret, a Carta de Abertura dos Portos, mapas antigos, as ilustrações do Livro de horas, entre outras, que podem ser acessadas neste link. Há oito anos, a Biblioteca Nacional iniciou o processo de digitalização dessas obras raras, exclusivas e de acesso difícil ou restrito e já conta com um número bastante expressivo de títulos digitalizados, conforme comenta Monteiro. “ A BN vem digitalizando seu acervo através de projetos temáticos desde 2003. A partir de 2006 foi criada a BNDigital e esta digitalização

passou a ser feita de forma sistemática. já foram digitalizados 23.000 itens (ou títulos)”.

Vicentini lembra ainda da importância da Brasiliana Guita e José Mindlin instalada em um novo prédio dentro da Universidade de São Paulo (USP). A biblioteca está digitalizando a coleção de obras raras doada pelo bibliófilo José Mindlin e se estruturando para digitalizar outros acervos raros e de domínio público. “ A quantidade de obras raras que já passaram por esse processo até o momento não é o mais importante. O que deve ser levado em consideração é que os projetos citados, anteriormente, são projetos de digitalização de obras raras consistentes, bem estruturados e ao longo dos próximos anos teremos acervos digitalizados no Brasil de grande relevância em âmbito mundial”, diz Vicentini.

A relevância das bibliotecas digitais de teses e dissertações

Assim como os acervos de obras de difícil acesso são importantes para difundir o conhecimento, as bibliotecas digitais que disponibilizam teses e dissertações também têm um papel primordial na difusão da informação, tanto para a comunidade científica e acadêmica, quanto para a sociedade em geral. Entre os principais exemplos, pode-se citar: a Biblioteca Digital da Unicamp, devendo ressaltar ainda o projeto Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), que possibilita a integração dos dados de todas as teses digitalizadas nas instituições participantes do mesmo e que conta atualmente com 97 instituições participantes e mais de 157 mil teses indexadas.

Sobre a Biblioteca da Unicamp, criada em 2011, Vicentini afirma: “uma universidade como a Unicamp tem um perfil de desenvolvimento de novos conhecimentos e de inovação, muito desse conhecimento vem sendo registrado nas dissertações de mestrado e teses de doutorado ao longo dos mais de 40 anos de vida da universidade. O acesso às dissertações e teses, mesmo tendo essas obras armazenadas nas 27 bibliotecas da universidade, tinham acesso restrito, ou seja, a consulta só poderia ser feita localmente nas bibliotecas”.

Em contrapartida, nos últimos anos, tem crescido mundialmente o movimento em prol doopen access (ou acesso aberto), fazendo com que universidades de todo o mundo começassem a disponibilizar as teses e dissertações de seus pesquisadores. “Diante desse movimento mundial, a maioria das universidades brasileiras também começou a digitalizar as suas teses. Todo esse trabalho possibilita que o acesso ao conhecimento registrado nas dissertações e teses antes com acesso ‘restrito’ passasse a ter uma maior difusão. O número de downloads nas teses da Unicamp demonstra isso, estamos próximos dos 7 milhões de downloads realizados”, diz o coordenador da Biblioteca da Unicamp.

Para acessar as teses e dissertações presentes na Biblioteca Digital da Unicamp e fazerdownload das mesmas é preciso ter um cadastro como usuário. Há um banco de dados da Biblioteca Digital dessa universidade que registra todos os downloads de teses e dissertações. Esses dados revelam que pessoas de mais de 70 países procuram por elas. “Atualmente temos mais de 785 mil usuários cadastrados do mundo todo. O perfil desses usuários é o mais variado possível, temos desde particulares a pessoas de instituições de renome. Do total de usuários cadastrados até a presente data temos: 751 mil do Brasil, 15 mil de Portugal, 3 mil dos Estados Unidos, mil da Argentina e mil do México. Se olharmos o número de downloads realizados, temos: 5 milhões do Brasil, 59 mil de Portugal, 20 mil dos Estados Unidos, 8 mil do México e 7 mil da Argentina”, revela Vicentini.

Scientific Electronic Library Online (SciELO), um modelo

SciELO é uma biblioteca científica eletrônica criada, em 1997, pela Bireme, Organização Panamericana de Saúde (Opas) e Organização Mundial da Saúde (OMS), em parceria e com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), buscando a renovação do processo de comunicação científica tradicional, pois integra a função de publicação com a manutenção e a preservação de coletâneas de periódicos e o controle bibliográfico. O modelo apresentado pelo SciELO foi desenvolvido para contemplar as necessidades da comunicação científica, tendo início no Brasil e, atualmente, presente em países em desenvolvimento (América Latina e Caribe), tornando-se uma solução para garantir o acesso gratuito e universal à literatura científica dos países que fazem parte do projeto. Nela estão disponíveis também procedimentos integrados que possibilitam medir o uso e o impacto dos periódicos indexados. Desde 2002, esse modelo tem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e integrou-se às bases de dados bibliográficas Medline e Lilacs, ao serviço de busca do PubMed – da National Library of Medicine –, e à base de currículos da Plataforma Lattes, gerenciados pelo CNPq.