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ComCiência

On-line version ISSN 1519-7654

ComCiência  no.125 Campinas Feb. 2011

 

ARTIGO

 

Cidades e regiões: a espinha dorsal da inovação na Europa

 

 

Rodrigo Martins; Elvira Fortunato

 

 

Com mais de metade da população mundial a viver nas cidades, o que na Europa corresponde a mais de 80% dos cidadãos, é evidente que, no futuro, um dos maiores desafios sociais com que nos defrontaremos será sabermos que meios e que formas as cidades terão de ter para responder a todas as solicitações da urbe, que vão desde o emprego e o conforto aos meio de comunicação e locomoção, passando pela assistência médica e pelo lazer.

As nossas cidades terão, portanto, cada vez mais um papel de liderança na abordagem dos novos desafios globais do século XXI. Além de estimular o crescimento econômico e a criação de riqueza, as cidades terão de ser vanguardistas nas respostas a dar às grandes questões sociais e ambientais, como a sustentabilidade, a mobilidade de pessoas e sua formação, a comunicação e o bem-estar, de modo a que evoluam para comunidades verdadeiramente sustentáveis, com uma abordagem centrada no ser humano.

Além disso, o desenvolvimento e a utilização de novas tecnologias depende do grau da sua difusão e modo da sua apropriação pela sociedade, o que exige um aumento dos níveis de compreensão e das ligações entre a comunidade científica/inovação e o cidadão urbano, tendo como objetivo comum o de explorar a sua aplicação prática a favor do conforto e bem-estar da sociedade. Isso traduzir-se-á em novas arquiteturas urbanas em que os edifícios poderão interagir com o cidadão, fornecendo-lhes um modo de comunicar e ver distintos da arquitetura atual; promover os meios e técnicas necessárias para a instalação nas cidades do "carro verde do futuro"; promover as tecnologias e os hábitos de poupança de energia; isto é, promover as formas de trabalho e bem-estar do urbano, assentes nas tecnologias de comunicação e transferência de energia necessárias, simultaneamente à criação de riqueza para a cidade e ao conforto do urbano. As cidades do século XXI deverão estar preparadas para contribuir para essas solicitações, sendo a métrica do seu desempenho determinada pela capacidade que elas terão de estimular e desenvolver interfaces com o cidadão e a sociedade.

 


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Para enfrentar esse desafio, as cidades devem implementar atividades de sensibilização e abordagem multifacetadas, em diferentes níveis, quais sejam:

- estudantes, jovens profissionais, pessoas desfavorecidas, idosos e deficientes físicos;

- multiplicadores da informação: jornalistas, agentes culturais e tomadores de decisões políticas;

- a comunidade científica;

- os empresários e os tomadores de decisões de tecnologia.

 

O que podemos fazer?

Um dos principais desafios que se põe à missão das cidades e regiões que não possuam no seu seio uma massa crítica científica e empresarial suficientemente abrangente será ou o de reproduzir conceitos já testados noutros locais, com o mínimo de criatividade pelos seus urbanos, ou o de saber efetivamente selecionar e promover novos conceitos vanguardistas, em termos culturais, tecnológicos e globais, isto é, em termos planetários.

 


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A primeira abordagem tem por objetivo apenas copiar os modelos existentes e já testados, como os promovidos pela Fundação Clinton nos Estados Unidos e no Reino Unido. A outra é o de, sem perda de qualquer atualização, ter como bandeira algo em que a região ou cidade sejam claramente pioneiras, em termos globais. Para isso, as cidades e as regiões devem unir esforços, reunindo o melhor do seu "valor agregado", que são as pessoas.

Como exemplo tecnológico que conhecemos, podemos considerar a Eletrônica Transparente para Interfaces Inteligentes e o papel eletrônico, que galvanizaram um todo nacional e que internacionalmente são aceitos e respeitados como rupturas. Trata-se da criação de um outro conceito de tecnologia, distinto da tecnologia convencional do silício, usando "materiais verdes", tecnologias de baixo custo e dispositivos e sistemas que são de extrema utilidade ao conforto, bem-estar e segurança dos cidadãos, como são os casos da eletrônica invisível e flexível para criação de mostradores e sensores embutidos em superfícies (por exemplo, vidros de edifícios ou carros) interactivas,sensíveis ao toque; mostradores enroláveis; o papel eletrônico; electrônica descartável; dispositivos em papel ultra-leves; etiquetas inteligentes; RFIDs (sigla para Radio-Frequency IDentification);e outros, que correspondem claramente a conceitos de ruptura em termos do que atualmente se conhece, na tecnologia. Isto é, é possível apostar na criação e, com isso, beneficiar-se do efeito surpresa inicial desses novos produtos, o que não acontece para tecnologias maduras e fortemente sustentadas em conceitos convencionais.

 


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Essa é uma área praticamente virgem que poderia catapultar as regiões para uma história de sucesso se pudessem escolher os parceiros certos, envolvendo valores da academia/educação e da indústria.

A atividade de investigação daí resultante deve alimentar a inovação esperada, ambas relacionadas com edifícios e os carros do futuro (por exemplo: janelas inteligentes e interativas), comunicações inteligentes; poupança racional de energia (unidades de controle da energia autossustentável), entre outros.

 


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Isso significa que as cidades e as regiões devem ser organizadas em ecossistemas, com o objetivo de se tornarem um parceiro imprescindível do crescimento econômico sustentável e competitivo em todo o país, visando incutir e redinamizar um espírito de ambição e de inovação no cidadão, tendo por base o saber gerado e as formas de o aplicar em produtos de elevada procura. O compromisso dos territórios é essencial para uma boa articulação de todas as partes envolvidas, o que pode impulsionar o progresso e trazer prosperidade econômica baseada no crescimento industrial sustentável, para uma população com elevados níveis de conforto e educação.

No âmbito dessa abordagem tecnológica, a principal missão das cidades é dotar os cidadãos de ferramentas que permitam que floresça a sua criatividade e seu espírito empreendedor, ao mesmo tempo que os prepara/educa para enfrentar os riscos elevados associados à criação de novos empreendimentos. Para além disso, a cidade/região deve ser capaz de promover as condições que permitam atrair para o seu seio pessoas altamente motivadas, criativas e flexíveis, capazes de operarem e se adaptarem a ambientes cada vez mais complexos, como o requerido pelas empresas do futuro.

Os grandes interventores para todo esse processo são:

(I)universidades que apoiem a educação de ponta e promovam o espírito empresarial, apoiadas pela investigação de excelência;

(II)institutos que preencham a lacuna entre a investigação de alto nível, aplicada e fundamental, com os programas educacionais, e as necessidades de apoio e parceria para empresas, fundamentalmente para pequenas e médias empresas;

(III)empresas ou organizações tecnológicas, cuja missão é abraçar a inovação como força motriz do seu desenvolvimento;

(IV)investidores capazes de assumir riscos em iniciativas de ruptura, mas também capazes de criar condições de financiamento estratégicos de longo prazo, disponibilizando para esse fim condições de acesso fácil ao crédito e/ou de meios financeiros a custo zero, para implementação de ideias (canteiros de ideias);

(V) multiplicadores da informação, como a ferramenta indispensável para promover e divulgar a ideia/conceito e a sua multiplicação;

(VI)a cidade, a região e o governo central, para o apoio a longo prazo de iniciativas estratégicas de liderança para o lançamento de start-ups ou a reaplicação dos instrumentos existentes, promovendo a continuidade e sustentabilidade econômica de pontos de ancoragem de propagação da cultura desse conceito, ajudando, assim, a construir uma estratégia vencedora de alto nível, para o país;

(VII) os cidadãos, como os utilizadores e beneficiários das condições geradas para a promoção e criação de pequenas e médias empresas, potenciais trabalhadores dos empregos gerados e usufruidores das novas condições de vivência, que lhes permitirão melhor conforto, meios de mobilidade e de aquisição de cultura e formação, ao longo da vida.

Para que tudo isso aconteça, é importante, que haja uma forte conjugação dos tomadores de decisões políticas com os cidadãos e seus representantes, para que o conceito e arquétipo de cidade se transforme, a bem do planeta e da humanidade.

 

 

Rodrigo Martins e Elvira Fortunato são pesquisadores do Centro de Investigação de Materiais (Cenimat) e professores do Departamento de Ciências dos Materiais da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal.