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ComCiência

versión On-line ISSN 1519-7654

ComCiência  n.117 Campinas  2010

 

ENTREVISTA

 

Álvaro Crósta

 

 

 

Na década de 70, o geólogo recém-formado Álvaro Crósta procurava um objeto de estudo para seu mestrado quando deparou-se com a hipótese de que o Domo do Araguainha, na divisa entre Mato Grosso e Goiás, teria sido originado por um dos mais violentos e destrutivos eventos naturais a que o planeta Terra está sujeito: o impacto de um asteroide. Fascinado pela natureza desses fenômenos, Crósta partiu para verificar (e comprovar) a hipótese, e assim tornou-se um dos maiores especialistas do assunto no país, sendo o principal responsável pela comprovação científica de quatro das seis crateras de impacto descobertas até hoje no Brasil. Nesta entrevista, o pesquisador do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas fala de seu trabalho e sobre o que sabemos desses eventos, que podem fazer os mais violentos desastres naturais vividos pela humanidade parecerem coisa pequena.

 

 

Por Danilo Albergaria

 

 

ComCiência - Por que estudar crateras de impacto meteorítico?

Crósta - A motivação principal, do meu ponto de vista, é justamente pela raridade do fenômeno. A formação de crateras de impacto na superfície da Terra é um assunto muito pouco abordado e o ramo da ciência que analisa esse tipo de fenômeno somente se desenvolveu a partir dos anos 1970, com o desenvolvimento da exploração espacial e da planetologia. É um fenômeno importante na constituição de todos os planetas e é fascinante em si mesmo, pois é único, completamente diferente de outros fenômenos geológicos. Um impacto meteorítico produz uma concentração extraordinária de energia num local muito restrito da superfície terrestre e acontece num espaço de tempo muito pequeno, enquanto todos os outros processos geológicos ocorrem, normalmente, num espaço de tempo muito longo.

ComCiência - Você poderia descrever os efeitos imediatos de um impacto de porte significativo?

Crósta - Um impacto meteorítico que deixe uma cratera com alguns poucos quilômetros de diâmetro certamente terá efeitos desastrosos para a área relativamente próxima. Primeiro, a propagação de ondas sísmicas pelo solo em uma área cujo raio pode ter várias dezenas de quilômetros. Nas áreas próximas ao ponto de impacto, esse terremoto tem uma magnitude que certamente extrapola a escala Richter. Simultaneamente, o deslocamento de ondas de choque que se propagam pelo ar a uma velocidade enorme irá destruir tudo o que está na superfície. Junto com a onda de choque há uma onda de calor que atingirá centenas ou até milhares de graus Celsius. Por último, uma enorme quantidade de detritos será arremessada para fora da cratera e cairá na forma de chuva de rochas incandescentes, que atingem uma área ainda maior do que os efeitos anteriores. A energia liberada pelo impacto, mesmo de pequeno a médio porte, é similar à explosão de muitas bombas nucleares ao mesmo tempo. Por exemplo, o impacto que originou o Cerro do Jarau (no Rio Grande do Sul), cuja cratera tem aproximadamente 13 km de diâmetro, liberou uma energia equivalente a 600 mil bombas atômicas similares à que destruiu a cidade japonesa de Hiroshima.

ComCiência - Quando surge a ideia de que a Terra poderia sofrer uma colisão com um asteroide?

Crósta - A noção de impacto cósmico surge com Galileu, no século XVII. Com o telescópio (por ele mesmo aperfeiçoado), Galileu pôde distinguir a quantidade enorme de crateras na Lua. Embora algumas delas já fossem visíveis a olho nu, Galileu pôde observá-las em detalhe e identificar, inclusive, as menores delas. Ele foi o primeiro a fazer uma associação entre as muitas crateras presentes na Lua e a possibilidade de haver impactos de asteroides na Terra. No entanto, essa possibilidade parecia ser refutável pela aparente ausência de crateras de impacto na Terra. Hoje, sabemos que os registros de impacto tendem a desaparecer da superfície terrestre por meio de sedimentação, erosão e tectônica de placas. Mesmo assim, permanecia uma questão: se a Lua tem crateras de impacto de 500 km de diâmetro, por que não haveria crateras aqui também?

ComCiência - A Terra é bem maior...

Crósta - A Terra tem muito mais massa para atrair gravitacionalmente os asteroides. Então, mesmo na aparente ausência de crateras de impacto, a hipótese de que a Terra já teria sido atingida por asteroides era uma ideia bastante razoável. No entanto, a primeira referência a uma cratera de impacto na Terra surge apenas no começo do século XX com Daniel Barringer, um engenheiro de minas norte-americano que propôs a hipótese de colisão meteorítica para a formação de uma no Arizona, que é muito recente em termos geológicos, e bastante óbvia. Havia fragmentos meteoríticos, riquíssimos em níquel, dentro e em volta da cratera. A ideia desse engenheiro era encontrar o meteoro, que ele pensava estar ali enterrado, para minerar o níquel e enriquecer, mas acabou falido e desacreditado pela comunidade geológica da época. Já a pesquisa científica e sistemática de crateras de impacto acontece apenas após a década de 1960. Quando o Domo do Araguainha foi observado pela primeira vez, por satélite, e a hipótese de que sua formação por um impacto meteorítico foi levantada por um grupo da Nasa em 1973, eram conhecidas no mundo inteiro pouco mais de trinta crateras de impacto. Hoje, são quase 180.

ComCiência - Que métodos são utilizados para se comprovar que uma formação geológica seja, na verdade, uma cratera de impacto?

Crósta - Usamos métodos geológicos convencionais: técnicas de geologia de campo, comparação de rochas, análise petrográfica, estrutural e micro-estrutural, coleta de rochas para análise em laboratório, métodos geoquímicos, entre outros. Cortamos lâminas muito finas dessa rocha para examiná-las em microscópio e analisamos as propriedades dos minerais. O que buscamos nessas análises são feições de deformações causadas unicamente pelo impacto. A quantidade muito grande de energia que é liberada em um impacto meteorítico deixa marcas permanentes nas rochas e nos minerais. Então, pode-se passar muitos milhões de anos (no caso do impacto do Domo de Araguainha, mais de 240 milhões de anos), que ainda será possível encontrar essas marcas e deformações nas rochas.

ComCiência - Como é feita a datação de um impacto meteorítico?

Crósta - Existe uma série de elementos químicos que têm um decaimento radioativo. A partir de uma amostra de rocha, podemos medir a quantidade de um determinado isótopo, e a partir de constantes de decaimento radioativo, estima-se há quanto tempo ocorre esse decaimento e assim pode-se estabelecer a idade daquela rocha. Há uma pré-condição: é necessário haver um evento de aquecimento que comece o processo do zero o processo de decaimento. O aquecimento, nesse caso, se dá pela liberação da energia do impacto, pela fusão da rocha etc. O ideal é datar o material que foi fundido, derretido pelo calor e pela pressão do impacto. Então é como se o relógio fosse zerado a parti do momento do impacto.

ComCiência - Você mencionou um engenheiro de minas que, antes da pesquisa científica sistemática, explorou uma cratera guiado por interesses econômicos. Existe algum benefício econômico em se estudar crateras de impacto?

Crósta - Há, sim, aspectos econômicos importantes. Por exemplo, um dos maiores depósitos de níquel do mundo, Sudbury, no Canadá, que hoje pertence à empresa brasileira Vale, é associado a uma cratera de impacto. A origem desse níquel é meteorítica. Outro exemplo pode ser encontrado em algumas crateras que têm depósitos de petróleo ou gás associados. Na verdade, o petróleo ou o gás não têm relação direta com a cratera. Indiretamente, o impacto ajuda a criar condições para o armazenamento, formando a chamada "armadilha" que retém o petróleo - o que é fundamental, pois a tendência do petróleo é escapar das camadas nas quais ele se forma. Existem várias crateras em várias bacias sedimentares que produzem petróleo ou gás. O maior campo de gás de mundo fica na cratera de Chicxulub, no México, que tem 170 km de diâmetro e é associada ao evento de extinção em massa ocorrido no limite Cretáceo-Paleogeno que provocou a extinção dos dinossauros. No Brasil, a Petrobras encontrou uma estrutura submersa, próxima à cidade de Praia Grande no litoral paulista, que provavelmente é uma cratera de impacto, e que pode vir a ser um campo de exploração de petróleo ou gás.

ComCiência - Afinal, foi ou não foi um impacto meteorítico o responsável pela extinção dos dinossauros?

Crósta - Depois de uma década e meia de debates na comunidade científica, atualmente há um consenso de que foi, sim, um impacto meteorítico o responsável por esse evento de extinção em massa. Recentemente, foi publicado um artigo na revista Nature que encerra de vez a polêmica em torno daquela grande extinção em massa. Esse artigo, que tem 41 autores, discute todas as evidências contrárias e a favor da teoria da extinção dos dinossauros por meio do impacto meteorítico que originou a cratera de Chicxulub; e chega à conclusão de que ela é irrefutável.

ComCiência - Ou seja, não foi vulcanismo o culpado, hipótese também levantada.

Crósta - Esse artigo analisa isso e demonstra que a teoria do vulcanismo não é viável. Com relação à teoria do impacto o artigo consegue responder a todas as críticas que foram feitas ao longo dos anos e, ao mesmo tempo, reforçar todas as evidências que demonstram que, realmente, a cratera de Chicxulub é o "cano fumegante" do evento responsável pela extinção dos dinossauros.

ComCiência - Mas como se chegou a essa explicação científica?

Crósta - Nos anos 1980, foi descoberta e passou a ser estudada uma camada geológica - presente em vários continentes, sempre no mesmo estrato, de mesma idade geológica - que continha uma anomalia geoquímica: a concentração muito alta de um metal que é muito raro na Terra, o irídio. Essa descoberta foi feita pelo físico Luiz Alvarez, junto com seu filho, o geólogo Walter Alvarez. Eles publicaram (com outros colaboradores) um artigo na revista Science propondo que essa camada seria o resultado da deposição de poeira que tinha ficado em suspensão na atmosfera ao redor do planeta em decorrência do impacto de um grande asteroide contra a superfície da Terra. Eles também dataram o material associado a essa camada, e ele correspondia exatamente à idade de uma das maiores extinções de vida, que foi há aproximadamente 65 milhões de anos - quando, junto com outras formas de vida, os chamados dinossauros foram extintos.

ComCiência - Mas ainda não haviam encontrado uma cratera correspondente ao impacto?

Crósta - Não. Depois da explicação proposta pelos Alvarez, começou-se a procurar pela cratera que correspondesse às dimensões do asteroide que poderia ter sido responsável por aquela camada anômala de irídio. Então, a cratera de Chicxulub foi finalmente encontrada no começo da década de 1990, no golfo do México. Mas este não foi o único grande impacto ao longo da história da Terra.

ComCiência - Nos últimos 500 milhões de anos, ocorreram cinco extinções em massa da vida na Terra. Além da grande extinção de 65 milhões de anos atrás, há alguma outra que esteja minimamente relacionada a um evento violento de impacto meteorítico?

Crósta - Há suspeitas de que uma dessas extinções em massa (de 250 milhões de anos atrás) esteja relacionada a um impacto meteorítico de grandes proporções, mas ainda não há nada de concreto, nenhuma evidência nem indício forte o suficiente para dar credibilidade à hipótese.

ComCiência - A Nasa tem programas de acompanhamento dos asteroides em órbitas próximas à da Terra, como o Near Earth Object Program e o Asteroid Watch. Mas não há esforços sérios por parte da comunidade internacional para elaborar um plano que preveja como desviar ou destruir um asteroide que esteja a caminho da Terra num futuro próximo.

Crósta - Não acho que se justifiquem os gastos para se elaborar um plano de ação desse tipo. É muito, muito pequena a possibilidade de um grande asteroide, como o que originou a cratera de Chicxulub, colidir com a Terra durante a existência da nossa espécie. Esse risco está na casa de vários zeros depois da vírgula. Ou seja, é bastante negligenciável. Há assuntos muito mais importantes, mais urgentes e mais graves para as sociedades humanas do que a possibilidade de sermos extintos pelo choque de um grande asteroide com a Terra.