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ComCiência

On-line version ISSN 1519-7654

ComCiência  no.113 Campinas  2009

 

ARTIGO

 

Proler – à guisa de um primeiro balanço

 

 

Por Eliane Pszczol

 

 

O Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler) é o mais antigo programa de incentivo à leitura do governo federal ainda em atividade. Em 16 anos de existência, teve altos e baixos, passou por períodos de efervescência, de instabilidade e até mesmo de hibernação. Mas manteve-se. E essa longevidade (e para um programa de governo federal a marca de 16 anos é mesmo longeva) deve muito ao peso da instituição Biblioteca Nacional. Esde nome tem história e autoridade, e confere prestígio a seus parceiros. Esse é um dos alicerces que têm sustentado o Proler ao longo de sua trajetória. O outro alicerce, tão importante quanto o primeiro ou até mais, foi a atuação dos comitês espalhados pelo país. Independentemente do apoio da FBN, a militância incansável de pessoas visceralmente dedicadas à causa da leitura contribuiu para a organização do processo de mobilização da sociedade, e conferiu aos comitês o papel de articuladores sociais de políticas mais amplas em favor da leitura.

Em nossa gestão à frente da Coordenação Nacional do Programa, desde maio de 2006, concentramo-nos, inicialmente, em seu realinhamento interno e em sua organização administrativa. O segundo momento foi o de resgate da relação com os comitês e de reconhecimento entre pares: mapeamos, buscamos vestígios, criamos uma rede informal de comunicação para conseguir fazer chegar aos quatro cantos desse país a informação de que estávamos trabalhando. A seguir, criamos um Boletim Informativo (digital), retomamos a publicação da Folha Proler (impressa) e criamos também nossa página na internet. Assim conseguimos estruturar-nos como uma rede nacional de incentivo à leitura. Também retomamos o apoio aos encontros locais, participando de vários deles, e essa imersão na realidade dos comitês apontou os caminhos a seguir. O terceiro momento, atual, tem sido marcado pela realização sistemática dos projetos a partir de um planejamento, e não mais por demanda, como vinha acontecendo até então.

Estamos em um momento de expansão, nossos caminhos estão mais abertos tanto dentro da própria FBN e do MinC, como também junto ao MEC e outros organismos que trabalham com o mesmo objetivo. Entre esses, é importante mencionar o Plano Nacional do Livro e Leitura: criado em 2006, o PNLL vem desempenhando um papel fundamental no campo da ação pública em favor da leitura.

Caminhamos bastante, mas ainda há muito a fazer. O Proler deveria ser capaz de trabalhar incentivos, disponibilizar recursos orçamentários, linhas de crédito e outras fontes de financiamento, investir em programas coordenados capazes de multiplicar seus efeitos, a fim de estender os benefícios dessas ações a toda população – mas isso, infelizmente, ainda não se tornou uma realidade. O Proler ressente-se da falta de investimento público, mas confiamos que, com os recursos destinados à área da leitura e de formação de leitores pelo programa Mais Cultura, do Ministério da Cultura, essa situação será positivamente modificada.

 

Como trabalha o Proler?

O Proler promove uma articulação do Estado com a sociedade, mobilizando e conciliando experiências governamentais e privadas, norteando atividades e estabelecendo prioridades com o objetivo de formar leitores para formar cidadãos. Nosso principal foco, embora não exclusivo, está nas escolas e bibliotecas públicas. A atuação do Proler desenvolve-se em duas frentes: ações centralizadas, realizadas na Casa da Leitura, sede da Coordenação Nacional do Programa, no Rio de Janeiro; e ações descentralizadas, desenvolvidas por comitês instalados em dezenas de municípios brasileiros, com apoio direto do programa e de uma instituição ou órgão local conveniado à Fundação Biblioteca Nacional por meio de um termo de parceria.

 

As ações da coordenação

O trabalho realizado na Casa da Leitura tem sempre por objetivo construir e disseminar estratégias de promoção da leitura. Nosso público destinatário são os profissionais comprometidos com a formação de leitores, entre os quais têm prioridade professores, bibliotecários e agentes de leitura das redes públicas.

Em nossas bibliotecas demonstrativas, aplicamos o primeiro mandamento para o incentivo à leitura: criamos um ambiente leitor. Quando o objetivo a ser atingido é o sucesso nas atividades de leitura, nada mais acertado do que organizar um espaço onde a visualização dos livros seja fácil, o acesso livre e o ambiente estimulante. De que adianta um recinto bonito, limpo, em ordem e agradável se os livros, jornais e revistas estão escondidos, guardados, invisíveis? Um ambiente leitor tem que estimular os olhos, aguçar a vontade e a curiosidade, mexer com o desejo do usuário. Essas coisas tornam-se possíveis quando a vista do leitor alcança, espalhados em todos os cantos e sempre expostos ao olhar, livros, revistas, recortes de artigos, textos informativos, murais com informações e outros materiais de leitura.

A Casa da Leitura também dispõe de um Centro de Referência e Documentação em Leitura (CRDL), com livros, teses, artigos, entrevistas e periódicos sobre o tema. O CRDL tem como missão difundir as experiências e conhecimentos produzidos não só no âmbito do Proler/Casa da Leitura, mas também na área da leitura de modo geral. A concepção atual do projeto trabalha no sentido de implantar não um centro de documentação em termos físicos – tanto no que se refere a espaço como a acervo –, mas um centro virtual, utilizando os recursos das novas tecnologias de informação e comunicação já disponíveis na FBN.

 

As ações dos comitês

Os comitês se articulam por adesão e são constituídos, em geral, por parceiros que já desenvolvem trabalhos de promoção da leitura e se organizam para somar esforços em torno de objetivos comuns. Os comitês são grupos de pessoas que tomam parte em ações locais de incentivo à leitura, integradas ao projeto nacional do Proler. Um dos membros do comitê é indicado pelos seus pares como coordenador dessas ações, e as condições de realização destas – espaço físico, pessoal ou recursos – são fornecidas por uma instituição designada pelo comitê para firmar o termo de parceria com a FBN.

O engajamento no programa não é um voluntariado, como alguns advogam: a adesão acarreta compromissos recíprocos, impõe direitos e deveres, e seu caráter oficial tem por finalidade garantir a continuidade das ações desenvolvidas por um comitê independentemente das eventuais mudanças na composição dos seus membros. Constituem parceiros nesse processo as secretarias de educação e de cultura, municipais e estaduais, bibliotecas públicas, universidades, centros culturais, ONGs, livrarias, associações de classe e outras entidades.

Ao trabalho de leitura que esses parceiros já desenvolvem, a FBN oferece, a partir da Coordenação Nacional do Proler, um pólo de convergência e dispersão das ações, e apoio regular à realização de oficinas e cursos durantes os encontros locais dos comitês. Essa assistência tem por base um conjunto de diretrizes técnico-teóricas elaboradas por um conselho consultivo, órgão colegiado de assessoramento à presidência da FBN formado por especialistas renomados na área de leitura.

Por princípio, o Proler procura, em suas atuações articuladas pelo Brasil, apreender a realidade de cada lugar, reconhecendo as características e experiências de cada um deles. Por isso os comitês são autônomos e desenvolvem suas ações de acordo com as necessidades da comunidade local e a natureza da instituição conveniada. Comitês vinculados a universidades, por exemplo, realizam trabalhos mais teóricos, ao passo que outros, ligados a secretarias de educação e cultura, atuam, sobretudo, no campo da prática docente.

Essa autonomia, entretanto, regula-se segundo diretrizes específicas, que, não tendo caráter impositivo, definem as linhas de ação e concepção que devem servir de referência ao trabalho dos comitês. Temos, no entanto, a convicção de que um programa nacional de incentivo à leitura não pode jamais adotar modelos prontos: deve estar aberto a ouvir cada uma das vozes, conhecer cada realidade, experimentar cada fórmula e assimilar cada uma das respostas que compõem esse vasto universo ao qual nos reportamos. Essa é a receita do Proler e a razão principal de seu sucesso.

Para o Proler, formar cidadãos leitores e melhorar a qualidade do ensino implica insistir na necessidade de tornar a prática da leitura ainda mais presente no cotidiano escolar e estimular a aproximação com bibliotecas públicas, escolares e comunitárias. A garantia de acesso à leitura é um dos principais caminhos para que os indivíduos se apropriem do saber e, por consequência, se transformem em cidadãos plenos.

Esse acesso à leitura é oferecido – ou deveria ser –, principalmente, pelas bibliotecas. Por isso é fundamental que se fortaleça a cooperação entre os Ministérios da Educação e Cultura, porque bibliotecas escolares (MEC) e bibliotecas públicas (MinC), consideradas as suas diferenças, devem articular-se em torno da tarefa comum de formar leitores. É preciso ensinar ao professor da escola que ele pode levar seus alunos à biblioteca pública. É preciso mostrar a todos que a biblioteca pública é um espaço de liberdade, um lugar aonde se vai para explorar mundos fantásticos, através das emoções humanas ou no universo das ideias e dos conhecimentos. Para essa empreitada, o Proler tem a oferecer a sua estrutura, uma rede em expansão, hoje com cerca de 70 comitês espalhados em todas as regiões do país, mas cujas ações abrangem algo em torno de 500 municípios.

O Brasil é pobre e violento porque os caminhos desastrados de nossa história produziram uma sociedade em que somente 25% dos brasileiros entendem o que leem. Construímos um país sem livros, sem acesso democrático ao sonho, ao conhecimento e à esperança. A falta de acesso aos livros e a insuficiente difusão de práticas de leitura são não apenas sintomas da exclusão social que atinge três quartos de nossa população, mas também fatores que agravam os efeitos desse processo. Só que em pleno século XXI, não podemos nos restringir apenas à leitura de livros. Escolas e bibliotecas devem reivindicar a estruturação de espaços para a leitura das novas linguagens surgidas a partir da revolução tecnológica. Hoje é necessário que as pessoas sejam capazes de compreender e utilizar as múltiplas linguagens constituídas no livro, na música, no teatro, no cinema, na internet, na televisão. O Proler acredita que isso é possível, sonha com um futuro melhor e confia que pode ajudar a fazer desse sonho uma realidade.

 

 

Eliane Pszczol é ex-coordenadora nacional do Proler, programa da Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Este artigo é uma versão de capítulo publicado no livro Proler: concepção diretrizes e ações - 10 anos: 1992-2002 (2002)