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ComCiência

versão On-line ISSN 1519-7654

ComCiência  n.110 Campinas  2009

 

ENTREVISTA

 

Rogério Tomaz Jr.

 

 

Ao contrário das grandes corporações, os movimentos sociais ainda utilizam pouco do potencial das novas tecnologias

 

 

 

Felipe Souza
e Patrícia Batalha

 

 

Rogério Tomaz Jr., integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, é jornalista e mestrando em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB). O Intervozes foi criado em 2003, e é formado por comunicólogos e profissionais de outras áreas distribuídos em 15 estados brasileiros. Todos possuem a missão de defender o acesso democrático da sociedade às mídias.

As novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs) são caracterizadas por agilizar o conteúdo da comunicação, por meio da digitalização e das redes para a captação, transmissão e distribuição das informações. Para o Intervozes, como as NTICs contribuem para os direitos humanos à comunicação?

Tomaz Jr. – A internet e todas as ferramentas e suportes midiáticos surgidos ou desenvolvidos no contexto da convergência tecnológica diminuem as distâncias e os custos para o diálogo entre pessoas, organizações e redes. A circulação de ideias ganha mais liberdade, os debates ganham adeptos e a informação disponível – ainda que sejam necessários filtros, o que é normal e também acontece com os meios de comunicação tradicionais – estimula a participação. Obviamente, isso não é um processo espontâneo, "natural". Deve ser analisado no contexto histórico, político e social no qual estamos inseridos nas últimas duas ou três décadas. Mas, sem qualquer sombra de dúvida, as novas tecnologias contribuem muito para a promoção do direito humano à comunicação.

A internet modificou o pensamento que se tinha sobre a comunicação em massa, segundo o qual o leitor atuava apenas como um receptor da mensagem. Agora ele também produz opiniões ou debate ideias. Esse novo poder para o comunicador amador influencia de que modo os movimentos sociais pelas redes?

Tomaz Jr. – Infelizmente, os movimentos sociais usam a internet e as novas tecnologias de forma ainda muito superficial, bastante limitada, ao contrário das instituições financeiras e corporações em geral. Trata-se de um desafio a mais: aliar a mobilização no cotidiano, que se faz na vida real, nas ruas, praças, na cidade e no campo, à comunicação através das novas ferramentas, o que permite a difusão de ideias, demandas e posicionamentos a um grande público, com o objetivo de buscar apoios pontuais e aliados orgânicos, reforçando a legitimidade das ações contestatórias e reivindicatórias.

Essa nova abertura que a internet propicia, dando espaço para discutir a democracia e lutar pelos direitos civis, permite conhecer mais de perto as reais necessidades de uma ou diversas comunidades. Isso pode promover uma mudança nas políticas sociais?

Tomaz Jr. – Por um lado, isso já tem ocorrido. O poder público tem a obrigação de oferecer os seus serviços da forma mais acessível e barata aos cidadãos e cidadãs. Boa parte dos serviços simples – consultas, pagamentos de taxas, tributos e impostos, solicitações e reclamações diversas, por exemplo – já estão disponíveis na internet ou por serviços telefônicos gratuitos. Mas ainda temos muito a avançar em termos de governança eletrônica. Por outro lado, a exclusão digital desfavorece parcelas enormes da população, que ficam privadas desses serviços disponíveis em plataformas menos onerosas. É comum uma pessoa no interior do Maranhão ou de qualquer estado da Amazônia ter que caminhar horas para marcar um simples exame médico. E os exemplos desse tipo poderiam ir longe…

Pela web, as pessoas podem ter acesso ao código do consumidor, a leis de trânsito, leis da Constituição Federal e a qualquer outro documento que esclareça dúvidas pertinentes a todos que vivem numa sociedade. Você enxerga a internet como uma cultivadora de populações mais críticas, mais conscientes dos seus direitos?

Tomaz Jr. – Sem dúvida, mas isso não é algo absoluto, é importante ressaltar. De modo geral, acredito que a ampla variedade e quantidade de informações disponíveis na rede sobre os debates candentes podem estimular o aprofundamento e o envolvimento das pessoas e organizações nesses debates. Mas não podemos ignorar que muitas pessoas usam a internet basicamente como ferramenta para relações sociais ou para entretenimento. A politização ou conscientização crítica das pessoas é uma possibilidade, entre tantas outras, com o uso da rede.

O governo propaga seu programa de inclusão digital, mas sabemos que, na realidade, as comunidades mais carentes, afastadas dos grandes centros, pouco acessam a rede, são excluídas desse novo círculo de comunicação. De que maneira essas pessoas podem ter acesso às novas tecnologias? Qual o papel do Estado numa iniciativa que modifique esse cenário?

Tomaz Jr. – No modelo de organização social em que vivemos, é o Estado que tem a obrigação – e aqui não falo de um dever moral, mas de obrigação formal, atribuição jurídica mesmo – de garantir a realização daquilo que a sociedade consagra como direitos. Assim, é obrigação do Estado elaborar – com a participação ativa da sociedade – e implementar as políticas – com o monitoramento e fiscalização da sociedade, vale dizer – que promovam esses direitos. No caso da inclusão digital, temos que superar as barreiras de acesso à infraestrutura e aos equipamentos, bem como promover a formação voltada a disseminar os conhecimentos sobre as técnicas e linguagens que permitem às pessoas acessarem o que existe disponível na rede, mas também para torná-las produtoras de conteúdos. E isso num país de elevados índices de analfabetismo ou analfabetismo funcional. Porém, mais do que em qualquer outra época de nossa história, temos as condições necessárias para fazer isso. Possuímos uma massa crítica suficientemente preparada, nas universidades, nos órgãos de ciência e tecnologia do Estado e nas instituições privadas que trabalham com serviços públicos. Ao lado disso, os recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) e do Funttel (Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações) nos permitiriam dar um grande salto – no nosso caso, civilizatório, eu diria –, ainda mais se eles fossem aplicados de forma integrada com os recursos de outras áreas, como educação, saúde e trabalho, por exemplo. No entanto, para isso sair do papel, é preciso, acima de tudo, vontade política.

As NTICs têm sido cada vez mais incorporadas nas ações de movimentos sociais, populares, ONGs, partidos políticos, seja para divulgação de atividades, formação de quadros ou redução de custos. Nesse sentido, quais as vantagens desses novos instrumentos na mobilização, controle e participação social?

Tomaz Jr. – A diminuição de custos, o encurtamento das distâncias. Muitas reuniões de trabalho e discussões podem ser feitas à distância, por meio de videoconferências, sem a necessidade de gastos com passagem, hospedagem, alimentação, entre outros itens. A capacidade dessas ferramentas depende do tipo de uso que é feito delas por parte dos atores sociais. O trabalho de mobilização pode ser potencializado e as possibilidades de participação estendidas e qualificadas. Em relação ao controle púbico e social das políticas e das ações do Estado, a transparência é algo que pode ser destacado como grande benefício das novas tecnologias. É possível ter acesso aos gastos do poder público, saber a destinação e a efetividade no uso dos recursos que são frutos das diversas contribuições da sociedade. E, a partir disso, denunciar os abusos e irregularidades e cobrar aperfeiçoamentos.

O ensino a distância vem ganhando espaço entre os meios convencionais de educação, mas ainda há uma desconfiança por parte da população. Por que deveríamos acreditar mais nessa forma de educação? Quem tem interesse nesse tipo de formação deve estar atento a quê?

Tomaz Jr. – Nada substitui a educação presencial. O diálogo entre educandos e educadores, quando mediado por plataformas tecnológicas, fica mais pobre e superficial, menos interativo e, portanto, mais suscetível a deficiências. Como alternativa para complementar a formação, talvez seja interessante o uso da EAD, mas para isso, é preciso que sejam respeitados vários critérios e princípios que podem suprir as lacunas das plataformas. Quem pode falar melhor sobre isso são os especialistas da pedagogia, que muitas vezes não são considerados nos processos de oferta indiscriminada de cursos a distância.

Como o Intervozes se utiliza desses novos recursos de comunicação?

Tomaz Jr. – Somos uma organização formada por muitos profissionais de comunicação, em várias áreas, mas temos princípios e métodos de organização que requerem certos prazos e experiências para adotarmos as novas tecnologias e ferramentas, à medida que elas se tornam disponíveis. Em linhas gerais, podemos dizer que temos uma afinidade boa com elas, até porque, são a especialidade de boa parte dos nossos integrantes. Na prática, contudo, ainda estamos bem aquém do potencial que essas ferramentas oferecem e do que acreditamos que podemos, efetivamente, fazer com as mesmas.

O Intervozes discordou da revogação total da Lei de Imprensa, afirmando que acredita ser necessário reforçar o sistema e as leis que dão aos cidadãos o direito de processar e punir meios de comunicação de massa quando eles cometem injúria, calúnia ou difamação. Qual é a posição de vocês sobre a regulamentação do uso das NITCs?

Tomaz Jr. – Não somos contrários à regulamentação da internet ou de outras plataformas. Mas essa regulamentação não pode ferir liberdades e garantias fundamentais, como a privacidade e a livre troca de informações e conteúdos pela rede. Somos favoráveis a uma regulamentação civil, antes de qualquer regulamentação penal. Quando dizemos que somos favoráveis à criação de um ambiente regulado, no lugar da antiga Lei de Imprensa, trata-se também de garantir os direitos – tanto dos profissionais quanto dos usuários. E o mesmo vale para o caso da internet. As propostas de lei hoje são para regulamentar penas, procedimentos e crimes, sem garantir os direitos que já temos consagrados.

Após vários passos em direção à organização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, como estão os preparativos do Intervozes para esse encontro? Quais serão os debates chaves do evento?

Tomaz Jr. – A Conferência Nacional de Comunicação é uma bandeira histórica do Intervozes. Está presente em nossas propostas para a democratização do setor desde a nossa fundação, em 2003. Neste momento, é a nossa prioridade máxima. Todos os nossos militantes, cerca de oitenta pessoas, em mais de dez estados do país, estão envolvidos de alguma forma com o tema, nas comissões estaduais pró-conferência. Em conjunto com outras entidades e movimentos sociais integrantes da Comissão Nacional Pró-Conferência de Comunicação (www.proconferencia.org.br), estamos contribuindo com a mobilização, com a formação e também com a metodologia que está sendo definida na Comissão Organizadora Nacional, também composta pelo governo federal e por entidades empresariais. Também estamos elaborando um conjunto de propostas que consideramos importantes para entrarem nos debates da conferência, desde as etapas regionais e estaduais até a nacional. A conferência tem que responder a velhos problemas – como a ausência de pluralidade e diversidade decorrente da concentração de propriedade, a pequena presença de conteúdos independentes e regionalizados, a falta de meios públicos e comunitários fortes e o acesso ainda frágil e altamente limitado aos serviços de telecomunicações – à luz do fenômeno da convergência tecnológica. Esse processo de debate público, que é a conferência, traz novas possibilidades que devem ser aproveitadas para que os serviços sejam prestados sob a ótica dos direitos dos cidadãos, e não da reestruturação do mercado para definição de novos nichos de obtenção de lucro.