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ComCiência

versão On-line ISSN 1519-7654

ComCiência  n.109 Campinas  2009

 

ARTIGO

 

Diagnóstico e tratamento dos fatores de risco

 

 

Wilson Nadruz Junior

 

 

Estima-se que, anualmente, 15 milhões de novos casos de acidente vascular cerebral (AVC) ocorrem no mundo. Desse total, 5 milhões vão a óbito e 5 milhões evoluem com sequela neurológica significativa. No Brasil, o AVC é a principal causa de morte. Além disso, segundo dados do INSS, o AVC e o infarto do miocárdio são responsáveis por 40% das aposentadorias precoces no país, o que demonstra o impacto devastador das doenças cardiovasculares, e em especial do AVC, não só do ponto de vista humano, como também socioeconômico.

Diversos fatores podem predispor um indivíduo a ter um AVC. Esses são classificados em não modificáveis e modificáveis. Os não modificáveis incluem a idade, a raça, o sexo e a história familiar. Dentre os modificáveis, destacam-se a hipertensão arterial, as dislipidemias (alterações nos níveis de gorduras no sangue), o fumo, o diabetes mellitus e a obesidade.

A idade é um importante fator de risco para o desenvolvimento de AVC. Para se ter uma idéia, o risco de AVC aumenta em 2 vezes a cada 10 anos, a partir dos 55 anos. Por outro lado, indivíduos de raça negra e do sexo masculino apresentam maior incidência de AVC em comparação àqueles de raça branca ou do sexo feminino, respectivamente. Ademais, os indivíduos com história familiar de AVC (especialmente os parentes de primeiro grau) têm cerca 2 vezes mais chance de desenvolver essa doença, independentemente de outros fatores de risco.

 

Hipertensão arterial

A presença de hipertensão arterial aumenta em 3 a 5 vezes o risco de AVC. Nesse contexto, estima-se que 40% dos indivíduos que apresentam eventos vasculares cerebrais são portadores de hipertensão arterial. Um caso famoso que demonstra o impacto da hipertensão arterial sobre o AVC é o do ex-presidente americano Franklin Delano Roosevelt, o qual comandou o país durante a Segunda Guerra Mundial. Roosevelt era um hipertenso de difícil controle clínico e veio a falecer em 1945, em consequência de um AVC hemorrágico, quando sua pressão arterial estava em níveis próximos a 300X200mmHg. Esse fato mostra que a hipertensão não controlada pode provocar um AVC do mais simples cidadão até o mais importante governante.

 

De acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia, são considerados hipertensos aqueles indivíduos com pressão arterial sistólica maior ou igual a 140mmHg e/ou pressão arterial diastólica maior ou igual a 90mmHg. Em contrapartida, os portadores de diabetes mellitus ou de insuficiência renal são classificados como hipertensos quando a pressão arterial sistólica é maior ou igual a 130mmHg e/ou a pressão arterial diastólica é maior ou igual a 80mmHg, demonstrando que esses indivíduos são particularmente sensíveis a aumentos nos níveis de pressão arterial.

Diversas medidas não medicamentosas podem reduzir a pressão arterial e contribuir para a prevenção do desenvolvimento de hipertensão arterial. Dentre elas, destacam-se a redução no consumo de sal, a realização de atividade física regular, o controle do peso corporal e adoção de um estilo de vida menos estressante. Além disso, o consumo exagerado de álcool deve ser evitado. Por outro lado, existem várias medicações anti-hipertensivas disponíveis no mercado, as quais são úteis para a manutenção da pressão arterial em níveis considerados normais.

 

Dislipidemias

As alterações nos níveis de lípides (gorduras) no sangue, também conhecidas como dislipidemias, aumentam em 2 a 3 vezes o risco para o desenvolvimento do AVC. As principais dislipidemias que estão relacionadas aos eventos vasculares cerebrais compreendem o aumento do colesterol-LDL (conhecido como o colesterol ruim) e a presença de níveis baixos de colesterol-HDL (conhecido como o colesterol bom). De maneira geral, níveis de colesterol-HDL são considerados adequados quando maior ou igual a 40mg/dL nos homens e maior ou igual a 50mg/dL nas mulheres. Já o valor desejável de colesterol-LDL é bastante influenciado pela presença concomitante de outros fatores de risco, como hipertensão arterial, tabagismo, diabetes mellitus e história familiar de AVC ou de infarto do miocárdio. Nesse sentido, indivíduos que não apresentam nenhum fator de risco podem ter um valor aceitável de colesterol-LDL abaixo de 160mg/dL. Nos sujeitos portadores de muitos fatores de risco, os valores ideais podem ser menores que 100mg/dL. Já naqueles que tiveram AVC ou infarto do miocárdio prévio, o colesterol-LDL deve ser mantido abaixo de 70mg/dL.

Níveis elevados de colesterol-LDL podem ser resultantes do consumo elevado de gorduras e/ou de características genéticas. A primeira medida a ser tomada para reduzir o colesterol-LDL é a diminuição do consumo de gorduras, especialmente as de origem animal. Entretanto, quando as mudanças na dieta não forem eficazes ou quando os níveis de colesterol-LDL forem muito elevados, pode ser necessário o tratamento farmacológico. As medicações mais utilizadas para reduzir o colesterol-LDL são as chamadas estatinas (por exemplo, sinvastatina, pravastatina, atorvastatina, rosuvastatina), as quais reduzem a síntese de colesterol no fígado. Embora essas medicações sejam muito seguras, seu uso deve ser sempre recomendado e acompanhado por um médico, pois pode haver efeitos adversos, especialmente no fígado e nos músculos.

O aumento do colesterol-HDL é geralmente atingido por meio da realização de atividade física regular, enquanto que algumas medicações, como o ácido nicotínico e os fibratos, podem também ser utilizadas para este fim.

 

Tabagismo

O tabagismo aumenta o risco cardiovascular em 2 a 3 vezes. Porém, em um tabagista prévio, o risco relativo cardiovascular é reduzido ao de um não tabagista após um ano da interrupção do hábito de fumar. Além disso, o fumo passivo pode predispor a uma maior incidência de AVC, demonstrando que a cessação do fumo não só traz benefícios para o fumante como também para os que convivem com ele.

 

Diabetes mellitus

O diabetes mellitus é uma doença causada por uma produção inadequada de insulina, que é um hormônio cuja função principal é transportar glicose do sangue para dentro das células. Dessa forma, o paciente com diabetes mellitus tipicamente apresenta um aumento na glicemia (que é a glicose aferida no sangue). O diagnóstico de diabetes pode ser feito de três formas: 1) quando o indivíduo apresentar duas medidas de glicemia obtidas em jejum maiores ou iguais a 126mg/dL; 2) quando o indivíduo tiver uma glicemia obtida em qualquer horário maior ou igual a 200gm/dL, estando esta associada a sintomas como poliúria (urinar bastante), polidipsia (beber muita água), polifagia (comer exageradamente) e emagrecimento; 3) quando a glicemia estiver maior ou igual a 200gm/dL após 2 horas de ingestão de uma quantidade pré-estabelecida de glicose (esse teste é conhecido como teste de tolerância à glicose). Se um indivíduo preencher 1 dos 3 critérios acima, ele é considerado diabético.

Diversas evidências têm sugerido que o controle da glicemia não exerce impactos muito significativos sobre a incidência de AVC nos indivíduos diabéticos, embora possa reduzir o risco de lesões na retina, nos rins, e nos nervos periféricos. Assim, recomenda-se que a glicemia de jejum seja mantida em valores abaixo de 110mg/dL. Essa meta pode ser alcançada através de mudanças nos hábitos alimentares, os quais incluem redução do consumo de açúcar, doces e massas, e do uso de medicações hipoglicemiantes.

Em contrapartida, o risco de AVC nos diabéticos é particularmente sensível a alterações nos níveis dos lípides e da pressão arterial. Nesse contexto, recomenda-se que o colesterol-LDL seja mantido abaixo de 100mg/dL, o colesterol-HDL acima ou igual a 50mg/dL, tanto em homens quanto em mulheres, e a pressão arterial abaixo de 130X80mmHg.

 

Obesidade

A obesidade aumenta em cerca de 2 vezes o risco para o AVC, independentemente de outros fatores de risco. Além disso, a obesidade predispõe a outras doenças que aumentam o risco de AVC, como a hipertensão arterial, as dislipidemias e o diabetes mellitus. Uma maneira simples de avaliar se um indivíduo está na faixa normal de peso é estimando o Índice de Massa Corporal (IMC). O IMC é calculado pela fórmula: Peso(kg)/Altura(m) 2. O IMC entre 18,5 e 24,9kg/m 2 é considerado saudável ou normal. O IMC entre 25 e 29,9kg/m 2 é considerado sobrepeso, enquanto que valores maiores ou iguais a 30 kg/m 2 classificam o indivíduo como obeso.

Além da avaliação global do peso, diversas evidências têm demonstrado que o padrão de distribuição de gordura corporal pode influenciar o risco cardiovascular. Nesse contexto, sujeitos com aumento da circunferência abdominal, ou seja, com predomínio de gordura no abdômen, apresentam maior chance de desenvolver AVC.

 

Conclusão

A partir das evidências demonstradas acima, as principais medidas para a prevenção do AVC incluem:

  1. Mudanças de estilo de vida (redução do consumo de sal e gorduras, realização de atividade física regular e controle do peso corporal)
  2. Tratamento e controle da hipertensão arterial
  3. Cessação do fumo
  4. Tratamento das dislipidemias
  5. Controle mais rígido dos fatores de risco nos indivíduos diabéticos

 

 

Wilson Nadruz Junior é professor da disciplina de cardiologia, no Departamento de Clínica Médica, da Faculdade de Ciências Médicas, da Unicamp, e coordenador do Ambulatório de Hipertensão Arterial do Hospital das Clínicas da Unicamp. Email: wilnj@fcm.unicamp.br