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ComCiência

On-line version ISSN 1519-7654

ComCiência  no.109 Campinas  2009

 

ARTIGO

 

Neuroimagem dos infartos e hemorragias

 

 

Augusto Celso S. Amato Filho

 

 

O acidente vascular cerebral (AVC) é um dos mais importantes diagnósticos referidos ao médico radiologista no setor de emergência, devido a sua frequência, sua gravidade e pela necessidade de um diagnóstico preciso no menor tempo possível. Com o advento de terapias para a fase aguda do AVC, os estudos por imagem ganharam um papel ainda mais fundamental. Quando realizados em tempo hábil, além do diagnóstico, fornecem informações críticas sobre a circulação do tecido cerebral, ajudando, inclusive, na escolha terapêutica. Este texto discute, de forma resumida e simplificada, os principais conceitos radiológicos nessa situação.

A tomografia computadorizada (TC) de crânio é o método mais utilizado na avaliação da fase aguda do AVC. Ela foi idealizada no início dos anos 1970 por Sir Godfrey N. Hounsfield e utiliza raios X (radiação ionizante) para a formação da imagem. Diferente da radiografia convencional, ela baseia-se no princípio de que a estrutura interna de um objeto pode ser reconstruída a partir de múltiplas projeções do mesmo. Para que ocorram essas múltiplas projeções, o paciente entra em um "túnel" onde existe um feixe de raios X que gira ao seu redor, obtendo-se, assim, imagens seccionais que podem ser combinadas para produzir reconstruções tridimensionais.

 

 

Com o avanço tecnológico, a TC tornou-se um método bastante rápido, além de mais acessível e mais disponível que a ressonância magnética (RM), características que são fundamentais no departamento de emergência e na situação crítica que é o AVC agudo. Considerando que o tempo ideal para o tratamento do AVC é extremamente curto, qual é o objetivo da realização de um exame de imagem nessa circunstância?

O AVC pode ser dividido em dois grandes grupos, o isquêmico e o hemorrágico. No isquêmico (AVCi), basicamente ocorre uma obstrução de grandes ou pequenas artérias que irrigam o encéfalo, por exemplo, por aterosclerose. A obstrução reduz o fluxo sanguíneo, o que impede a oxigenação adequada do tecido, levando à morte das células encefálicas em poucos minutos. Já no hemorrágico (AVCh), o mecanismo é a ruptura de vasos, por exemplo, por um aneurisma ou pico de hipertensão arterial, levando ao extravasamento sanguíneo no interior ou ao redor do encéfalo. Essa diferenciação é fundamental, pois, quando diagnosticado precocemente, o AVCi pode ser tratado com medicações trombolíticas, que agem dissolvendo o trombo no interior da artéria obstruída, com o intuito de restabelecer o fluxo sanguíneo e, assim, evitar um maior dano às células. A questão é que esse tratamento somente pode ser aplicado nos casos de isquemia (AVCi) e é totalmente contra-indicado quando existe hemorragia (AVCh), pois existe o risco de seu agravamento.

Assim, o primeiro objetivo da TC é afastar a presença de AVCh. Como isso é possível? O sangue, devido a seu alto teor de ferro, é consideravelmente mais denso do que o parênquima encefálico, que é formado, em grande parte, de água. Um dos princípios básicos do raio X utilizado na TC é a capacidade de distinguir tecidos com densidades diferentes. Assim, a hemorragia, na sua fase aguda, aparece na TC como áreas de maior densidade – representadas por áreas mais claras.

 

 

Não é infrequente a TC estar normal logo após o desenvolvimento do AVCi. Isso ocorre porque os sinais de isquemia estão ausentes nas primeiras horas após o início dos sintomas. Os sinais mais precoces podem ser visíveis a partir de duas horas em alguns casos. A TC deve ser analisada minuciosamente em busca desses sinais, que são: a visualização do trombo no interior de um grande ramo arterial e/ou a presença de edema cerebral localizado no território vascular acometido. Quando ocorre uma isquemia, as células encefálicas ficam sem oxigênio e, portanto, sem energia. O oxigênio é fundamental para as células regularem a quantidade de água que entra e sai de seu interior e, com essa falta, permitem uma maior entrada de água. Consequentemente, o tecido isquemiado torna-se edemaciado, o que, em última análise, diminui a densidade do mesmo. Como citado anteriormente, a TC tem a capacidade de distinguir áreas com densidade diferentes, visualizando a área edemaciada de maneira mais escura (menos densa).

 

 

 

 

Nos últimos anos, o desenvolvimento de tomógrafos mais rápidos (tomógrafos multidetectores), aliado à administração de contraste intravenoso, melhorou significativamente a informação obtida pela TC. Atualmente, é possível um estudo bastante preciso das artérias desde a aorta até os diminutos ramos intracerebrais. Anteriormente, esses dados seriam obtidos apenas por angiografia digital, um estudo mais invasivo que a TC. Além desse estudo anatômico, também se tornou possível uma avaliação dinâmica, que estuda a distribuição sanguínea e identifica áreas cerebrais com fluxo reduzido, o que é denominado estudo perfusional.

O princípio é bastante simples: ao injetar o contraste intravenoso, são realizadas imagens seriadas de uma mesma parte do cérebro por cerca de um minuto, com o objetivo de apreciar como o contraste é distribuído pelo tecido. É possível estimar o volume sanguíneo que chegou ao cérebro, o tempo que isso demorou e, consequentemente, o fluxo cerebral. Essa análise é muito elucidativa nos casos de AVCi agudo e talvez represente a informação mais importante que o radiologista possa fornecer nessa situação.

Isso porque, quando ocorre obstrução de uma artéria cerebral, uma extensa área sofre com a redução do oxigênio (chamada de área isquêmica). No centro da área isquêmica, os neurônios morrem em poucos minutos, pois a queda do oxigênio é mais intensa. Já na periferia, os neurônios são parcialmente irrigados por ramos arteriais adjacentes, o que permite que sobrevivam por um período maior (essa zona periférica é chamada de penumbra). Se não tratado a tempo, a zona de penumbra também morre, agravando significativamente o déficit neurológico. O estudo perfusional é capaz de demonstrar se existe ou não a zona de penumbra, e qual a sua extensão, direcionando, assim, o tratamento mais eficaz (veja imagem abaixo). Quando aplicada a tempo, a terapia trombolítica é capaz de restabelecer o fluxo sanguíneo, impedindo a morte neuronal na zona de penumbra, o que melhora, em muito, o quadro neurológico desses pacientes.

 

 

Além da TC, a RM é muito útil na avaliação do AVC, principalmente porque tem a capacidade de demonstrar com clareza a extensão da isquemia no encéfalo. Para isso, usa-se um princípio muito interessante que é o movimento browniano. Esse fenômeno termodinâmico é caracterizado pelo movimento randômico das moléculas de água num meio qualquer. Lembrando que mais de 70% do encéfalo é composto de água, concluímos, de forma simplificada, que moléculas de água se movimentam livremente ao redor das células cerebrais. Como já foi dito anteriormente, quando existe isquemia e consequente redução da oxigenação, desenvolve-se um edema. Esse edema ocorre, principalmente, no interior das células, que aumentam de volume e depois morrem. Como as células estão maiores, diminui o espaço entre elas, o que dificulta a livre movimentação das moléculas de água. Essa restrição ao movimento natural da água é captada pela ressonância magnética e traduzida na forma de imagem. De maneira grosseira, essas células representam tecido infartado de maneira irreversível.

A RM, assim como a TC, é capaz de estudar a vasculatura cerebral e o seu fluxo sanguíneo e, portanto, identificar áreas com déficit perfusional, porém ainda viáveis, novamente caracterizando a zona de penumbra.

 

 

O objetivo deste texto foi mostrar alguns conceitos radiológicos na situação crítica que é o AVC agudo, sendo ele hemorrágico ou isquêmico. É claro que os métodos atuais de imagem são fundamentais para a condução adequada desses pacientes e que, com o avanço tecnológico, fornecem cada dia mais informações pertinentes à decisão terapêutica. A TC destaca-se como a técnica mais utilizada, devido à sua maior disponibilidade e rapidez na aquisição de imagem. A RM, apesar de menos disponível, não é de menor importância, trazendo informações cruciais, principalmente, nos casos duvidosos e em alterações vasculares menores, como infartos embólicos ou lacunares. A disponibilidade dessa tecnologia, já difundida na rede privada, ainda está muito aquém do desejado na rede pública. Mas, com o notável esforço dos neurologistas vasculares em divulgar e protocolizar o tratamento imediato do AVC, esse quadro tende a mudar, beneficiando milhares de pacientes por ano.

 

 

Augusto Celso S. Amato Filho é médico radiologista do Hospital das Clínicas da Unicamp e médico neurorradiologista do Hospital Vera Cruz de Campinas (SP). Email: gutoamato@gmail.com