SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número162Campanhas de imunização: um diálogo entre propaganda e educaçãoVacinas e a educação em ciências índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Bookmark

ComCiência

versão On-line ISSN 1519-7654

ComCiência  no.162 Campinas out. 2014

 

ARTIGO

 

Modelos de análise de decisão na introdução de novas vacinas

 

 

Patrícia Coelho de Soárez

 

 

1. Introdução

Atualmente a atenção à saúde é praticada numa época de recursos financeiros limitados e cada vez mais regulados no setor saúde. Por outro lado, as necessidades e desejos da população são sempre crescentes. Dada a escassez de recursos, os sistemas de saúde precisam fazer escolhas com relação às novas tecnologias que serão financiadas e disponibilizadas. Avaliação econômica em saúde surgiu nesse contexto, com o objetivo de orientar essas escolhas de forma transparente, organizada e sistemática.

Avaliação econômica é definida como uma análise comparativa entre cursos de ação alternativos em termos de custos e consequências.

 

 

Existem quatro metodologias principais de avaliação econômica completa em saúde: análise custo-minimização (ACM), análise custo-efetividade (ACE), análise custo-utilidade (ACU) e análise custo-benefício (ACB). O objetivo comum a todas elas reside na avaliação da oportunidade e adequação da intervenção ou programa, com base na comparação entre os custos de sua implementação e as consequências derivadas da mesma.

  A maioria das avaliações econômicas em saúde utiliza modelos de análise de decisão para avaliar os custos e consequências das estratégias comparadas. Os modelos de decisão organizam informações de fontes primárias e secundárias de forma a reproduzir contextos específicos, segundo pressupostos conceituais e metodológicos e aplicando técnicas matemáticas e computacionais, buscando sintetizar e tornar compreensível um possível efeito de intervenções tecnológicas determinadas sobre problemas de saúde especificados e em populações dadas.

  Este artigo inicia com as definições, validade e tipos de modelos de análise de decisão em saúde, apresenta exemplos de estudos nacionais de avaliação econômica da introdução de novas vacinas baseados em modelos e finaliza com uma apresentação resumida dos resultados dos estudos de custo-efetividade para introdução de novas vacinas no Programa Nacional de Imunização – PNI. O objetivo é contribuir para o conhecimento sobre o uso de modelos de análise de decisão nas avaliações econômicas para introdução de novas vacinas, no contexto nacional.

  • Modelos de análise de decisão em saúde

    • Definições gerais

O termo modelo é amplo e tem sido utilizado em diversas perspectivas. No contexto das avaliações econômicas em saúde, modelo é qualquer estrutura matemática que se propõe a representar desfechos em saúde e econômicos de pacientes ou populações em cenários variados 2.

Os modelos de análise de decisão procuram representar a complexidade do mundo real de forma mais compreensível, simplificando a análise de problemas complexos sem modificá-los nos seus atributos essenciais 3, 4. Procura dividir o problema em componentes menores sem, no entanto, perder a visão do todo; mapeando os dados mais importantes, a relação entre eles e a relação com os outputs do modelo, e o impacto que esses componentes menores podem ter na decisão final. Contudo, um modelo será sempre uma representação simplificada da realidade, não podendo ser reconhecido como uma "verdade" inquestionável, por ter sido produzido pelo método científico.

 

2.2 Validade dos resultados dos modelos

A validade dos resultados dos modelos de análise de decisão está condicionada a dois fatores principais: 1) estrutura do modelo e 2) qualidade dos dados usados para alimentar o modelo.

  Uma preocupação recorrente é a falta de transparência na construção do modelo. Ele não deve parecer uma "caixa preta" para o usuário final. Ao contrário, deve ser o mais transparente possível, de modo que os resultados possam ser compreendidos de forma intuitiva. Os resultados não devem nunca ser apresentados como resultados absolutos de efetividade ou custo. Os outputs (saídas) dos modelos devem ser apresentados como subordinados aos dados e pressupostos, e devem incluir uma extensa análise da sensibilidade para explorar os efeitos da sua incerteza sobre os resultados 5.

    • Tipos de modelos de análise de decisão em saúde

Os tipos de modelos mais usados para estimar o impacto de incorporação de novas tecnologias em saúde são os modelos árvore de decisão, modelo de Markov, e modelos dinâmicos. Mais recentemente, modelos de microssimulação e simulação de eventos discretos têm sido usados nos estudos de avaliação econômica em saúde.

Os modelos dinâmicos são amplamente utilizados no estudo da dinâmica de transmissão de doenças infecciosas em populações humanas, especialmente em avaliações econômicas de estratégias de imunização. Eles conseguem incluir os efeitos indiretos da vacinação, também chamados de imunidade de rebanho (i.e., a proteção indireta de pessoas suscetíveis, que ocorre quando uma grande parcela da população foi vacinada, por dificultar a circulação do agente infeccioso).

  • Exemplos de estudos nacionais de avaliação econômica da introdução de novas vacinas baseados em modelos

Com a finalidade de exemplificar os tipos de modelos de análise de decisão em saúde, apresentaremos alguns estudos de avaliação econômica nacionais de vacinas.

Para a análise de custo-efetividade do programa de vacinação universal do rotavírus foi utilizado modelo estático, do tipo árvore de decisão. 6 O modelo foi desenvolvido no "software" Microsoft Excel e acompanhou uma coorte de nascidos vivos hipotética para estimar os desfechos em saúde e custos associados à diarreia por rotavírus na presença e ausência do programa nacional de imunização. Como a diarreia por rotavírus é geralmente um evento agudo, onde a imensa maioria das crianças se recupera sem sequelas, o modelo de árvore de decisão foi adequado para representar a questão em estudo.

No estudo de custo-efetividade da vacinação universal da varicela 7, como a interação entre os indivíduos era importante, pois existia a possibilidade de mudança de força de infecção pós-introdução da vacina, os autores utilizaram modelo dinâmico. O modelo desenvolvido dividiu a população total em três compartimentos: suscetíveis (S), infectados (I) e recuperados (R); contemplou força de infecção variável e permitiu a inclusão dos efeitos de imunidade de rebanho, tais como a mudança na idade média de infecção e proteção de pessoas não vacinadas.

Para a análise de custo-efetividade da vacina do HPV (papilomavírus humano) foi utilizado modelo de árvore de decisão, Cervivac, desenvolvido no software Microsoft Excel pela PAHO ProVac Initiative. O modelo acompanhou uma coorte hipotética de meninas de 11 anos de idade e estimou o número de casos, óbitos e DALYs esperados para ocorrer se essas meninas fossem acompanhadas até a morte. O número de casos de câncer do colo do útero e mortes foi estimado pela multiplicação do número de mulheres vivas em cada idade com estimativas nacionais de incidência da doença e mortalidade 8.

  • Uso de estudos de avaliação econômica na introdução de novas vacinas

A avaliação econômica em saúde tem participado de forma crescente nas decisões sobre financiamento de novas tecnologias pelos sistemas de saúde. Em 1993, a Austrália foi o primeiro país a exigir evidência de custo-efetividade como parte obrigatória do processo de decisão de financiamento de medicamentos. Atualmente, muitos outros países adotam a mesma política e exigem requerimento formal da evidência econômica como parte do processo de tomada de decisão em precificação, reembolso ou orientações oficiais sobre o uso de novas tecnologias em saúde. Por exemplo, Bélgica, Finlândia, Noruega, Canadá, Portugal, Suécia, Holanda, Reino Unido e Estados Unidos 9.

O Brasil também tem procurado utilizar essa ferramenta de apoio à tomada de decisão para gestão racional do sistema de saúde. Na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, a Gerência de Avaliação Econômica de Novos Medicamentos tem utilizado de conceitos de Avaliação Tecnológica e Econômica em Saúde para a tomada de decisão sobre preço de novos medicamentos desde 2004 10.

O Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Ciência e Tecnologia – Decit, tem fomentado a realização de estudos de avaliação econômica. Desde 2006, o Decit desenvolve diretrizes metodológicas para elaboração de revisões sistemáticas e estudos de avaliação econômica e tem colabora com a Comissão de Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde – CITEC na avaliação de incorporação de novas tecnologias pelo Sistema Único de Saúde (SUS) 11-13.

Em 2011, a Citec foi substituída pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – Conitec, que passou a exigir estudos de avaliação econômica e a usá-los nas recomendações de incorporação de novas tecnologias ou abandono de tecnologias já incorporadas pelo SUS 14, 15.

Em 2004, o Programa Nacional de Imunizações solicitou o projeto de pesquisa "Estudos de custo-efetividade da incorporação de novas vacinas à rotina do Programa Nacional de Imunizações: varicela, rotavírus, meningocócica C conjugada, hepatite A e pneumocócica conjugada". Após esse primeiro grande projeto, outros estudos foram solicitados pelo PNI (incorporação da vacina inativada de pólio, vacina de HPV, antipneumocóccica polissacarídica 23 valente, tríplice acelular de adultos). O objetivo comum desses projetos é contribuir no processo de tomada de decisão do PNI de incorporação dessas novas tecnologias ao calendário vacinal de rotina.

Nesses projetos foram desenvolvidas estimativas epidemiológicas, de utilização de serviços de saúde e de custos diretos e indiretos relacionados às doenças a serem prevenidas pelas vacinas e da introdução dessas vacinas no PNI. Modelos de análise de decisão específicos foram construídos para cada uma.

A construção das estimativas que alimentam os modelos matemáticos foi fortemente apoiada no uso de dados secundários de Sistemas de Informação em Saúde (Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM, Sistema Informações de Nascidos Vivos – Sinasc, Sistema de Informações de Agravos de Notificação – Sinan, Sistema de Informações Hospitalares do SUS – SIH-SUS, Sistema de Informações Ambulatoriais – SIA-SUS, Sistema de Informações da Assistência Básica – SIAB, Sistema de Informações do PNI – SIPNI), e de bases de dados provenientes de inquéritos nacionais como, a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios – PNAD e a Pesquisa sobre Orçamento Familiar – POF, ambas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

Os resultados do projeto de pesquisa "Estudos de custo-efetividade da incorporação de novas vacinas à rotina do Programa Nacional de Imunizações: varicela, rotavírus, meningocócica C conjugada, hepatite A e pneumocócica conjugada" estão apresentados na forma de razões de custo-efetividade incremental na Tabela 1 6-8, 16-18.

Como limiar de custo-efetividade, foi utilizado o critério da Organização Mundial da Saúde (OMS), no qual para uma tecnologia ser considerada custo-efetiva, a RCEI por DALY evitado deve ser até 3 vezes o valor do PIB per capita; quando a RCEI por DALY evitado é de 1 vez o valor do PIB per capita, a tecnologia é considerada muito custo efetiva; e quando a RCEI é maior que 3 vezes o PIB, a tecnologia não é custo efetiva. Considerando, por exemplo, o PIB per capita do Brasil, em 2008, de R$15.240, a vacina que custou até R$45.720 (3* R$15.240) foi considerada custo-efetiva.

Todas as vacinas se mostraram custo-efetivas e foram incorporadas no PNI. Apenas uma delas se mostrou econômica (mais barata e mais efetiva), a da hepatite A. Além das análises de custo-efetividade, é preciso também realizar uma análise de impacto orçamentário para avaliar se as despesas orçamentárias incrementais com a compra delas são viáveis, garantindo a sustentabilidade das vacinas incorporadas anteriormente ao PNI.

 

 

Conclusão

A avaliação econômica em saúde com base em modelos de análise de decisão tem sido utilizada nas decisões de incorporação de tecnologias nos sistemas de saúde. Para aumentar sua legitimidade, é necessário garantir processos transparentes e desenvolver a capacitação dos profissionais para conduzir estudos, e dos tomadores de decisão para interpretar o conhecimento produzido pelos mesmos.

Essa iniciativa deverá estar baseada no comprometimento político dos gestores do sistema de saúde em promover a produção e utilização dos resultados e recomendações das avaliações econômicas no planejamento de políticas em saúde, regulamentação e processos de decisão sobre incorporação de novas tecnologias, de forma a propiciar efetividade, eficiência e equidade ao sistema de saúde.

 

Referências

1 Drummond, M.; Sculpher, M.; Torrance, G.; O'Brien, B.; Stoddart, G. Methods for the economic evaluation of health care programmes. Third ed: Oxford Medical Publications, 2005.

2 Kuntz, K.M.; Weinstein, M.C. Modelling in economic evaluation. In: Drummond, M.F.; McGuire, A. Economic evaluation in health care: merging theory with practice. Oxford: Oxford University Press, 2001. p. 141-71.

3 Gold, M.R.; Siegel, J.E.; Russel, L.B.; Weinstein, M.C. Cost-effectiveness in health and medicine. Oxford University Press, 1996.

4 Thornton, J.G.; Lilford, R.J.; Johnson, N. "Decision analysis in medicine". BMJ, 1992. 304:1099-103.

5 Weinstein, M.C.; O'Brien, B.; Hornberger, J; Jackson, J.; Johannesson, M.; McCabe, C. et al. "Principles of good practice for decision analytic modeling in health-care evaluation: report of the Ispor Task Force on Good Research Practices--Modeling Studies". Value Health, 2003;6:9-17.

6 de Soárez, P.C.; Valentim, J.; Sartori, A.M.; Novaes, H.M. "Cost-effectiveness analysis of routine rotavirus vaccination in Brazil". Rev Panam Salud Publica, 2008. 23:221-30.

7 Valentim, J.; Sartori, A.M.; de Soárez, P.C.; Amaku, M.; Azevedo, R.S.; Novaes, H.M. "Cost-effectiveness analysis of universal childhood vaccination against varicella in Brazil". Vaccine, 2008. 26:6281-91.

8 Novaes, H.M.D.; Azevedo e Silva, G.; Ayres, A.R.; Itria, A.C.R.; Sartori, A.M.C. et al. "Avaliação tecnológica de vacinas para a prevenção de infecção por papilomavírus humano (HPV): estudo de custo-efetividade da incorporação de vacina contra HPV no Programa Nacional de Imunizações/PNI do Brasil". Relatório técnico-científico. Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, 2012. p. 154.

9 Beutels, P.; Scuffham, P.A.; MacIntyre, C.R. "Funding of drugs: do vaccines warrant a different approach?". Lancet Infect Dis., 2008. 8:727-33.

10 Augustovski, F.; Melendez, G.; Lemgruber, A.; Drummond, M. "Implementing pharmacoeconomic guidelines in Latin America: lessons learned". Value Health, 2011. 14:S3-7.

11 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 3.323, de 27 de dezembro de 2006. Institui a comissão para incorporação de tecnologias no âmbito do Sistema Único de Saúde e da Saúde Suplementar. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.

12 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 2.587, de 30 de outubro de 2008. Dispõe sobre a Comissão de Incorporação de Tecnologias no Ministério da Saúde e vincula sua gestão à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Brasília: Ministério da Saúde, 2008.

13 "Health technology assessment: institutionalization of actions in the Brazilian Ministry of Health". Rev Saude Pública, 2006. 40:743-7.

14 Brasil. Ministério da Saúde. Lei n° 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2011.

15 Brasil. Ministério da Saúde. Decreto n° 7.646, de 21 de dezembro de 2011. Regulamenta a Lei n° 12.401, de 28 de abril de 2011 e dispõe sobre a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2011.

16 Sartori, A.M.; de Soárez, P.C.; Novaes, H.M. "Cost-effectiveness of introducing the 10-valent pneumococcal conjugate vaccine into the universal immunisation of infants in Brazil". J Epidemiol Community Health, 2012. 66:210-7.

17 de Soarez, P.C.; Sartori, A.M.; de Andrade Lagoa Nóbrega, L.; Itria, A.; Novaes, H.M. "Cost-effectiveness analysis of a universal infant immunization program with meningococcal C conjugate vaccine in Brazil". Value Health, 2011. 14:1019-27.

18 Sartori, A.M.; de Soárez, P.C.; Novaes, H.M.; Amaku, M.; de Azevedo, R.S.; Moreira, R.C.; et al. "Cost-effectiveness analysis of universal childhood hepatitis A vaccination in Brazil: regional analyses according to the endemic context". Vaccine, 2012. 30:7489-97.

 

 

Patrícia Coelho de Soárez é professora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP.